Título: Pausa do Fed nas taxas será seguida no mundo?
Autor: Edmund L. Andrews
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2006, Economia & Negócios, p. B9

Se o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) parar de elevar as taxas de juros neste ano, o restante do mundo o acompanhará? Quando os responsáveis pela política do Fed se reunirem hoje para determinar as taxas de juros overnight, eles certamente as aumentarão em mais um quarto de ponto porcentual, para 5%. E os investidores buscarão indícios de uma pausa nos aumentos.

Mas um crescente número de economistas considera uma possibilidade diferente: a de que as mudanças na economia global continuem motivando o aumento das taxas de juros de longo prazo muito depois de o Fed parar de elevar sua taxa padrão.

O resultado seria uma imagem espelhada do "enigma" que confundiu Alan Greenspan, o ex-presidente do Fed, durante o ano passado inteiro. O enigma era que as taxas de juros de longo prazo permaneciam baixas e as condições gerais de crédito, relativamente fáceis mesmo enquanto o Fed aumentava as taxas de curto prazo.

Agora, mesmo com os diretores do Fed indicando que podem estar perto do fim dos aumentos, as taxas de juros de longo prazo que determinam as taxas de hipoteca residencial e os custos de empréstimo das companhias sobem.

O aumento da preocupação com a inflação futura é em parte responsável por isso, dizem analistas. Mas as taxas de longo prazo têm aumentado ao redor do mundo, sugerindo que forças globais estão em ação.

O Japão, a segunda maior economia do mundo, atrás dos Estados Unidos, está crescendo no ritmo mais acelerado em mais de uma década. E espera-se que o banco central do país, que tem mantido as taxas de juros num patamar desprezível, comece a elevá-las novamente. O crescimento europeu, embora mais lento que o dos Estados Unidos, se acelera. E muitos esperam que o Banco Central europeu, depois de uma pausa em abril, retome os aumentos. Sua taxa de referência de curto prazo, hoje em 2,5%, foi elevada duas vezes desde dezembro.

Enquanto isso, a economia da China cresceu quase 10% no ano passado e os líderes chineses prometem estimular o tipo de demanda doméstica que manteria mais dinheiro no país.

O crescimento maior leva a mais competição por capital de investimento, o que tende a elevar as taxas de juros. E, à medida que as taxas sobem nos outros países, há menos incentivo à busca de retornos mais altos nos Estados Unidos.

Isto pode representar um desafio para Ben S. Bernanke, que assumiu a presidência do Fed em fevereiro. Bernanke argumentou que a combinação entre taxas de juros baixas e o crescente déficit comercial americano resultou, em parte, de um "excesso de poupança global" - uma vasta quantidade de dinheiro parado na Ásia e em outras partes do mundo que voltou aos Estados Unidos.

Como diz Robert J. Barbera, economista-chefe da ITG/Hoenig: "Parece cada vez mais óbvio que existe um boom no mundo hoje; ele apenas não está acontecendo aqui. Isto, por sua vez, sugere que a atividade moderada nos Estados Unidos pode não resultar em taxas de juros mais baixas. O que era um enigma para Greenspan torna-se um problema para Bernanke." Robert V. DiClemente, economista-chefe do Citigroup para os Estados Unidos, afirmou que a especulação sobre a mudança da demanda global por dinheiro ajudou a alimentar uma alta repentina das taxas de longo prazo.

"Creio que as pessoas especulam sobre isso, especulam que os índices de crescimento podem convergir, que a poupança ficará mais equilibrada e que haverá uma retirada de capital que removerá dinheiro dos Estados Unidos", disse DiClemente.

Certamente, parte do aumento recente das taxas de juros de longo prazo reflete preocupações com a inflação. Uma ilustração para as preocupações com a inflação é a distância entre os rendimentos da dívida convencional do Tesouro e os rendimentos dos títulos do Tesouro indexados à inflação, ou Tips.

Essa distância aumentou no mês passado de 2,7 para 2,8 pontos porcentuais, e grande parte da ampliação ocorreu depois que Bernanke disse a congressistas que o Fed poderia cessar temporariamente a elevação de taxas.

Os dados econômicos recentes sobre a inflação têm sido ambíguos. Os preços gerais ao consumidor aumentaram de maneira marcante, graças em grande parte aos preços do petróleo; a medida do núcleo da inflação preferida do Fed, que exclui os custos de alimentos e energia, subiu cerca de 2% nos últimos 12 meses.

Isso é praticamente o limite máximo do que Bernanke descreveu como sua zona de conforto para a inflação. Enquanto isso, o crescimento nos Estados Unidos foi muito mais rápido no primeiro trimestre do que a maioria dos economistas previa. E, embora a criação de empregos tenha caído para 138 mil em abril, o desemprego foi de apenas 4,7% e os salários por hora aumentaram 3,8% ao longo do último ano - o maior salto em cinco anos.

Mas muitos analistas dizem que a perspectiva de inflação continua bastante modesta. A produtividade não-agrícola, a quantidade de produção por hora de trabalho, cresceu num ritmo anual de 3,2% nos primeiros três meses de 2006.

Os preços mais altos da energia parecem ter tido pouco impacto sobre outros preços ao consumidor e os lucros corporativos são tão elevados que muitas companhias podem absorver salários mais altos sem aumentar os preços.

A visão dos funcionários do Fed, segundo a qual eles estão perto do fim dos esforços para aumentar as taxas, baseia-se na expectativa de que o crescimento do país baixará de um ritmo anual de 4,8% no primeiro trimestre para cerca de 3% no segundo semestre de 2006. No entanto, mesmo que o Fed esteja otimista quanto à inflação, as forças globais podem provocar o aumento dos custos de empréstimo.

Um aumento das taxas de juros globais não seria necessariamente má notícia para Bernanke. Taxas de longo prazo mais altas ajudariam a esfriar o crescimento econômico americano, e o mercado da habitação em particular, sem que o Fed precisasse adotar mais ações.

Mas taxas globais mais altas também poderiam desacelerar a economia dos EUA a ponto de aumentar o desemprego. De qualquer modo, dizem analistas, a economia é mais dependente das forças globais do que era há uma década.

"Ela está mais exposta porque precisa de grandes quantidades de dinheiro do restante do mundo", disse Nigel Gault, economista da Global Insight, firma de projeções de Lexington, Massachusetts. "Estranhamente, o mundo é mais arriscado para os Estados Unidos se todos os outros se saem melhor."

*O jornalista escreve no 'The New York Times'