Título: As reviravoltas da Justiça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Grandes empresas voltaram a reclamar da incerteza jurídica causada pelo Judiciário, em matéria de direito tributário. Os empresários alegam que as freqüentes mudanças de orientação doutrinária nos tribunais superiores, a reabertura de processos praticamente concluídos, as reviravoltas nos julgamentos e a ausência de uma jurisprudência uniforme dificultam o planejamento, aumentam os custos administrativos e os obrigam a desviar recursos das atividades-fim para pagar consultoria jurídica.

O caso mais ilustrativo é o relativo à discussão sobre a legalidade da chamada "alíquota zero" do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Ao calcular o valor desse tributo, as empresas sempre debitaram o IPI recolhido na compra de insumos, defendendo o direito de fazer a compensação inclusive nos casos em que as matérias-primas por elas adquiridas não são tributadas ou são beneficiadas com alíquota zero. A Receita Federal alega que esses insumos não dão direito a qualquer crédito e estimam uma perda de arrecadação de R$ 20 bilhões, ao ano, por causa da compensação feita pelas empresas.

A discussão foi levada ao Judiciário na década de 90 pela Braskem, uma das três maiores indústrias do País, com faturamento anual superior a R$ 14 bilhões. Em 2001, o Supremo Tribunal Federal deu uma decisão favorável à empresa, o que lhe permitiu registrar em seus resultados contábeis créditos no recolhimento do IPI no valor total de R$ 1 bilhão. Estimuladas por essa decisão, várias empresas apelaram para a Justiça. Dois anos depois, porém, a mais alta corte do País decidiu reexaminar a matéria. Embora o caso ainda não tenha sido encerrado, a maioria dos ministros mudou de posição, manifestando-se em favor da Receita.

Esse novo entendimento pegou de surpresa os Tribunais Regionais Federais (TRFs) e o Superior Tribunal de Justiça, que vinham seguindo a jurisprudência até agora firmada pelo Supremo. Mudanças de orientação como essa foram registradas em outras discussões judiciais de grande interesse das empresas, como as relativas ao aumento da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Nestes dois casos, os tribunais superiores vinham decidindo em favor da União, tendo, a partir de 2005, passado a julgar em favor das empresas.

"Hoje em dia, não há como falar em jurisprudência, não há como dizer qual é a interpretação reiterada de um tribunal superior sobre um determinado assunto, porque isso não existe mais. As decisões, mesmo que do plenário do STF, mudam com facilidade e rapidez", afirma o advogado Júlio de Oliveira, cujo escritório enumerou 16 matérias que foram objeto de mudanças de entendimento, nos últimos anos. Algumas dessas matérias chegaram a sofrer duas reviravoltas, em pouco espaço de tempo, deixando as empresas perplexas e aumentando seus custos com processos judiciais. "Fica difícil avaliar a chance de êxito de uma discussão judicial ou os riscos (nela) envolvidos", conclui Oliveira.

Parte do problema decorre das recentes mudanças na composição da cúpula do Judiciário. Só para o STF foram nomeados cinco novos ministros, nos últimos três anos, e o presidente da República anunciou na semana passada a indicação de quem ocupará a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Nelson Jobim. No STF e no STJ, a simples ausência de um ministro, numa sessão, muitas vezes inverte a linha de orientação doutrinária da turma a que pertence. Além disso, muitas turmas têm entendimentos conflitantes sobre a mesma matéria. Por fim, a sucessão de leis aprovadas pelo Congresso e de medidas provisórias baixadas pelo Executivo contribui para tornar inócua a jurisprudência já firmada em pontos vitais da ordem jurídica.

É evidente que, ao elevar os custos de transação e disseminar a incerteza jurídica entre os agentes produtivos, as reviravoltas dos tribunais acabam afetando o desempenho da economia. Quanto mais o Poder Judiciário se revela incapaz de oferecer sentenças coerentes e jurisprudência uniforme, menos segurança as empresas têm para investir.