Título: Aluno pobre vira agente social
Autor: Roberta Pennafort
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Vida&, p. A16

Um bem-sucedido projeto socioeducativo criado numa favela carioca e encampado pelo Ministério da Educação em 2004 está se espalhando por todo o Brasil. O "Conexões de Saberes", que tem entre seus objetivos a aproximação das universidades federais de núcleos pobres e a atuação de universitários de origem popular para melhoria das condições de vida de suas comunidades, chegou este ano a todos os Estados do País.

Já são 31 as instituições associadas ao programa - cuja expansão será anunciada na quinta-feira, em Brasília. O MEC repassa, por ano, R$ 182 mil a cada uma delas. O dinheiro é usado para pagar bolsas de extensão de R$ 300 aos 25 universitários bolsistas escolhidos pela entidade e para manutenção do projeto. A tarefa deles é fazer uma mediação entre as comunidades e a universidade, além de criar políticas que beneficiem os moradores de áreas pobres - preferencialmente, aquelas em que vivem. Outra meta é garantir a permanência desses alunos até a formatura.

O projeto foi gestado pelo Observatório das Favelas, entidade do complexo de favelas da Maré, na zona norte do Rio, formada por professores. Começou em 2004, em duas universidades do Rio, foi crescendo e, em 2005, chegou a 14 instituições. Neste ano, o MEC o estendeu a mais 17, que já estão fazendo seleção de candidatos.

Atualmente, existem 350 bolsistas (a renovação é analisada todo ano). Fazem parte da rede quatro universidades do Rio. Em São Paulo, a representante é a Universidade Federal de São Carlos (UFScar).

Graças à iniciativa, a Universidade Federal Fluminense (UFF) implantou numa comunidade um curso pré-vestibular popular, uma biblioteca e oficinas culturais. A UFRJ montou um curso de alfabetização de adultos.

Todos os projetos são discutidos com os moradores antes de serem implementados. "A comunidade tem que participar da formulação, mostrar suas necessidades", diz Dálcio Marinho Gonçalves, secretário executivo do Conexões.

Ele defende que os jovens se tornem agentes de transformação de sua realidade. "Queremos que eles sejam protagonistas das mudanças e não que adquiram saber e depois abandonem sua origem."

Para se inscrever, é preciso pertencer a uma comunidade pobre, ser o primeiro da família a ingressar no ensino superior, ter renda familiar de até seis salários mínimos e ter estudado em escola pública, entre outros pré-requisitos. Negros e indígenas têm preferência.

Giselle Pinto, de 23 anos, ajudou na capacitação de mulheres da Vila Ipiranga, favela de Niterói. Ela mora no bairro pobre de Maria Paula, em São Gonçalo, município vizinho (é um caso de estudante que não atua na própria comunidade, mas em outra, também carente), e se graduou em Serviço Social pela UFF.

A moça está iniciando o mestrado e faz questão de pesquisar algo que faz parte de seu dia-a-dia: a inserção de mulheres negras na universidade. "Acho importante dar visibilidade às questões com que convivo desde a infância e que continuam à minha volta."

As experiências de Giselle e de outros jovens estão num dos sete primeiros livros da coleção Caminhada escolar de jovens de origem popular, que será lançada amanhã, em Brasília.