Título: Para FMI, real não está valorizado
Autor: Nalu Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2006, Economia & Negócios, p. B5

Anoop Singh diz que crescimento das exportações, a taxas de dois dígitos, prova que câmbio não deve preocupar

Metas de inflação e câmbio flexível fizeram bem à América Latina e será bom mantê-los, mesmo que subam os juros internacionais e mude o sentimento dos investidores, disse ontem o diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, Anoop Singh. Isso ajudará a conter a inflação e evitará os custos de intervenções no mercado cambial, argumentou.

No caso do Brasil, segundo o economista, nem haveria motivo para preocupação com o câmbio, pois o real, acrescentou, não está sobrevalorizado.

"As exportações estão crescendo e continuando a crescer com taxas de dois dígitos", argumentou. "Isso não é resultado de apenas algumas categorias beneficiadas por elevados preços globais." O real, segundo Singh, está apenas voltando à tendência normal de longo prazo, depois de uma queda acentuada em 2002.

Além de manter as políticas monetária e cambial, os latino-americanos, afirmou o economista, devem aprofundar o esforço de arrumação fiscal, para diminuir o peso da dívida pública.

Singh fez esses comentários ao apresentar o Panorama Econômico Regional do hemisfério. Elogiou as políticas adotadas na América Latina nos últimos anos e citou o Brasil entre os bons exemplos, mas chamou a atenção para novos perigos, como os elevados preços do petróleo e a tendência de alta dos juros internacionais.

Também mencionou o calendário eleitoral, ressalvando que, desde 1999, as transições políticas têm reforçado a estabilidade macroeconômica. Mas o tom é menos otimista no texto do Panorama. Segundo o documento, "há, claramente, riscos de que as campanhas e seus desfechos possam enfraquecer a disciplina da política econômica, deter as reformas estruturais e renovar a volatilidade macroeconômica, reintroduzindo os custosos avanços e retrocessos do passado."

Tanto no panorama quanto nos comentários de Anoop Singh tiveram destaque as recomendações de maior ambição nas políticas fiscais, para redução mais segura do peso da dívida pública.

Além disso, o FMI aconselhou os governos latino-americanos a melhorar a composição do gasto público, dirigindo-os para investimentos e para programas sociais bem focados - "seguindo a experiência, até agora positiva, do Brasil, por exemplo". O diretor do FMI recomendou ainda maior esforço tributário, com menor vinculação de gastos, especialmente aos governos da América Central.

De acordo com o FMI, falta criar uma "cultura do crédito" na América Latina, onde os mercados financeiros são "relativamente rasos" e os juros reais relativamente altos, por causa das grandes diferenças entre as taxas de captação e as de empréstimo.

O crescimento será favorecido, segundo o Panorama, se houver maior liberalização comercial, porque os mercados latino-americanos, na avaliação do FMI, são ainda muito mais fechados que os de outras regiões dinâmicas.

Será necessário, enfim, criar um ambiente mais propício ao investimento e aos negócios, por meio de medidas como o fortalecimento do direito de propriedade intelectual, o aperfeiçoamento do Judiciário e a melhora dos padrões de gestão pública.

"Animadoramente", segundo o Panorama, está-se formando um consenso a respeito da necessidade de combate à corupção na América Latina - um objetivo realçado em documentos tanto do FMI quanto do Banco Mundial.

Kirchner: 'Somos branco e preto' O presidente Néstor Kirchner, aumentou ontem a distância entre a Argentina e o Fundo Monetário Internacional (FMI) ao ressaltar as diferenças entre seu governo e a instituição. "Nós e o Fundo somos como branco no preto: tínhamos pensamentos diferentes e continuamos pensando diferente. Nos demos tão mal com a política do Fundo que me preocuparia se pensássemos igual, porque depois de tudo que passamos", afirmou Kirchner ao relembrar que as políticas de ajustes recomendadas pelo Fundo tiveram parte nas crises vividas pelo país em 2001 e 2002.

As críticas de Kirchner referem-se às observações feitas na véspera pelo diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, à ministra da Economia argentina, Felisa Miceli, sobre a política de preços estabelecida pelo governo Kirchner para combater a inflação. Em janeiro, a Argentina quitou uma dívida de US$ 9,53 bilhões com o Fundo.

Kirchner virá ao Brasil terça-feira. Ele tem programado um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesse dia, em São Paulo. Na quarta-feira, os dois voltam a se reunir, desta vez com a participação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Não há informações oficiais sobre os temas que os três presidentes discutirão.