Título: Inimigo de programa social é que quer maior superávit, diz Mantega
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2006, Economia & Negócios, p. B4

Em Washington, ministro da Fazenda afirma que questão do superávit primário é ideológica

Só quem não gosta de gastos sociais pede cortes na despesa pública, disse ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para quem só reduzindo itens como a Bolsa Família seria possível obter um superávit primário maior que o programado para este ano, 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB).

A discussão, disse Mantega, é ideológica. Por trás do debate sobre as despesas públicas, "há uma questão de fundo que precisa ser revelada", afirmou. "Quem gostaria que fizéssemos um superávit maior são os ortodoxos, que não gostam dos gastos sociais que o governo está realizando. É gente que não tem coragem de dizer 'vamos reduzir esse gasto'." A lista desses inimigos do povo deve incluir, presumivelmente, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que defenderam a eliminação completa do déficit público em cerca de 5 anos. Deve incluir, também, economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), autores de estudos que serviram de base às propostas de déficit nominal zero.

O ministro admitiu, apesar de tudo, que outras despesas de custeio já estão sendo cortadas pelo governo. Além disso negou que haja inchaço da máquina pública. Declarou que todas as contratações estão sendo feitas para fortalecer a administração, para substituir trabalhadores terceirizados e que todas ocorrem por meio de concursos, Não mencionou, entre outros detalhes, a ampliação do número de cargos de confiança a partir de 2003.

Dois dias antes, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou para as pressões políticas para aumento da despesa pública no Brasil e recomendou cautela ao governo no Panorama Econômico Mundial, publicado em abril e setembro.

O governo, disse ontem Mantega, respondendo às preocupações do FMI, não adotará uma política populista em tempo de eleição. Se quisesse agir assim, argumentou, "teria jogado a taxa de juros para baixo".

"Ano eleitoral", insistiu, "não muda nada." A meta de superávit primário, assegurou, será cumprida. "O que nos permite ter o superávit hoje", explicou, "é o crescimento, que tem feito aumentar a receita." Mas admitiu que parece natural a preocupação dos técnicos e dirigentes do FMI.

Guido Mantega está estreando como ministro da Fazenda numa reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial. Encontrou-se ontem com o diretor-gerente do Fundo, Rodrigo de Rato, e com a vice-diretora Anne Krueger. Depois, participou de uma discussão sobre os desequilíbrios internacionais.

Aproveitou os contatos, segundo disse, para atualizar as informações a respeito do Brasil e assegurou que a economia brasileira deverá crescer mais que 4%, neste ano. Os técnicos do Fundo, desatualizados, segundo Mantega, projetam 3,5% para este e para o próximo ano.

Na reunião sobre os desequilíbrios internacionais, falou sobre o programa brasileiro de reformas e sobre a contribuição que as economias em desenvolvimento podem dar para a estabilidade internacional.

Mantega disse que não se preocupa muito com o risco de uma nova crise internacional e que a preocupação do governo brasileiro com o preço do petróleo é "relativa", porque o País deve ser auto-suficiente a partir deste ano e é líder mundial na produção de etanol.

Sobre o projetado aumento de cotas e de poder de voto para alguns países no FMI, preferiu não revelar a ambição do Brasil. Disse que o assunto está em discussão para acomodar alguns países que não eram membros do Fundo e que precisam de maior cota. Extra-oficialmente, já se sabe que o aumento de cotas deve beneficiar principalmente a China, que entrou no Fundo em dezembro de 1945.