Título: É fogo no canavial
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Queimar ou não queimar?

A safra da cana-de-açúcar já começou no Centro-Sul e, com ela, volta a questão das queimadas. É aquele fogo rápido no trecho do canavial a ser cortado, que afasta cobras e aranhas aninhadas no meio da palha e, mais do que isso, facilita o corte manual. O procedimento é velho como a própria cultura da cana, mas causa cada vez mais transtornos para o meio ambiente e para a saúde da população das proximidades.

A cultura da cana-de-açúcar não foi contagiada pela crise em que está prostrado o agronegócio. Ao contrário, o setor esbanja entusiasmo: previsão de produção recorde, 410 milhões de toneladas no País (85% disso no Centro-Sul), preços do açúcar e do álcool galopando no mercado internacional e perspectiva de exportações crescentes de álcool. Mas há as queimadas.

Um campeão em corte de cana chega a colher entre 15 e 17 toneladas por dia, mas a média fica em torno das 10 toneladas. Sem essa queima, não passariam de 2 toneladas diárias.

O problema não é o fogo; é a fuligem que empesteia tudo. No interior de São Paulo, as cidades estão cada vez mais próximas das plantações. Roupa estendida no varal tem de ser lavada de novo. Pouco adianta fechar janelas, o pretume entra casa adentro pelas frestas e pelo vão das portas, suja telhado e quintal. O povo tem de respirar partículas dessa palha queimada e a criançada tosse e cospe essa sujeira, como reconhece Carlota Vicente, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola (IEA).

A queima também desperdiça energia renovável. O bagaço de cana e o palhiço poderiam ser usados para produzir de 28 mil a 53 mil megawatts/hora de energia por safra no Brasil, calcula o professor Tomáz Caetano Rípoli, da Esalq-USP. Ele explica que 1 tonelada de palhiço equivale à energia de 1,2 barril de petróleo bruto e que 1 hectare de cana tem de 4 a 11 toneladas de palhiço seco. "Apesar disso, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa, do Ministério de Minas e Energia) determina que se paguem 120% a mais pela energia eólica do que pela energia cogerada do bagaço e do palhiço de cana, o que não motiva o setor a investir nisso."

Em 2002 uma lei do Estado de São Paulo determinou a eliminação das queimadas até 2021 nas áreas mecanizáveis e até 2031 nas áreas não mecanizáveis. Mas isso tem conseqüência. Só é possível acabar com esse procedimento se o corte manual da cana for substituído pelo uso de máquinas.

No entanto, cerca de 20% dos canaviais do Estado de São Paulo estão em áreas não mecanizáveis, porque possuem declividade acima de 12%. Por isso, a proibição das queimadas forçará os plantadores de cana a se mudarem para outras áreas.

Mais grave, o fim do corte manual da cana implica eliminação de empregos. Levantamentos da Única, entidade que coordena os interesses do setor em São Paulo, indicam que, em 2005, nada menos que 60,6% da cana foi cortada à mão no Estado e isso gerou trabalho para 150 mil pessoas. Uma colhedora corta entre 600 e 800 toneladas por dia. Cada máquina pode substituir cerca de 80 trabalhadores, gente que depois vai fazer volume nos acampamentos do MST.

Mas ninguém segura a modernização. "Ainda há muita evolução tecnológica a ser agregada; melhorias na gestão logística das usinas a incorporar; e maior adequação dos canaviais à mecanização a adotar" - diz Ricardo Pinto, diretor do Instituto de Desenvolvimento Agroindustrial (Idea).

E ainda é preciso lidar com o lado político do problema. A pressão dos produtores para que os prazos de 2021 e 2031 sejam esticados pode prolongar o debate.