Título: Elas sofrem mais de doenças cardíacas
Autor: Denise Grady
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2006, Vida&, p. A16

Pesquisadores sabem que para melhorar diagnóstico e tratamento é preciso identificar diferenças entre os sexos

Kim Kachmann-Geltz fez tudo certo. Correu 8 quilômetros por dia, comeu torradas e farinha de aveia, conservou-se magra, jamais fumou. Sua pressão sanguínea era igualmente perfeita. Seus genes, ela achava, eram bons: a bisavó vivera até os 102 anos. ¿Sou a última pessoa do mundo que poderia imaginar ter um problema cardíaco¿, disse ela, que tem 39 anos e é mãe de três filhos.

Mas desde 2003 ela sofre de angina, uma dor no peito causada por deficiência do fluxo sanguíneo para o coração. Além disso, um dos lados do órgão mostrou sinais de dilatação e suas válvulas cardíacas não funcionam a contento. Ela toma quatro medicamentos e pode precisar de mais. Mesmo com os remédios, as dores no peito a impedem de correr. Em vez disso, anda e pratica ioga.

Seu caso não é incomum. A angina geralmente afeta mulheres mais velhas. Ainda assim, as doenças coronárias são a principal causa de morte em mulheres com mais de 25 anos, matando mais de 250 mil por ano só nos Estados Unidos. Antes de alcançarem os 60, mulheres são menos propensas que homens a apresentar problemas cardíacos, mas quando a doença ocorre, elas se saem pior do que eles. Desde 1984, mais mulheres do que homens morreram por ano de doenças cardíacas, e apesar de as taxas de morte por problemas coronários em geral terem caído nas últimas décadas, a maior parte da melhora foi registrada em homens.

Diferenças intrigantes surgiram em homens e mulheres com doenças cardíacas. Isso deixa claro que estudos antigos, a maioria sobre homens, nem sempre se aplicam a mulheres. Os pesquisadores vieram a perceber que para melhorar o diagnóstico e o tratamento para mulheres, é preciso identificar essas diferenças. Entre elas, estão:

As mulheres com dor no peito e outros sintomas cardíacos são mais propensas que os homens a ter artérias coronárias limpas quando são realizados exames, um resultado surpreendente sugerindo que pode haver outra causa para seus problemas.

Quando as mulheres apresentam artérias coronárias entupidas, elas tendem a ser mais velhas do que os homens com obstruções similares e a apresentar sintomas piores, incluindo mais dor no peito e incapacidade física. Essas mulheres também são mais propensas a ter outros problemas como hipertensão, colesterol alto e diabete, que tornam mais arriscada a cirurgia. E são mais propensas que os homens a sofrer de insuficiência cardíaca, um enfraquecimento do músculo do coração que pode ser debilitante e, inclusive, fatal.

Quando as mulheres sofrem cirurgias para implantação de pontes ou procedimentos de angioplastia (dilatação de vasos com balões infláveis ou stents) para a desobstrução de artérias coronárias, elas são menos propensas que os homens a apresentar bons resultados e mais propensas a sofrer efeitos colaterais ruins.

Os exames de sangue que confiavelmente captam sinais de problemas cardíacos em homens nem sempre funcionam em mulheres. As mulheres parecem muito mais propensas que os homens a desenvolver um tipo raro e temporário de insuficiência cardíaca em resposta a um estresse emocional grave.

¿Não temos boas explicações para essas diferenças de gênero¿, disse Alice K. Jacobs, uma cardiologista da Universidade de Boston. Ela acha que uma das razões para as mulheres não se saírem tão bem como os homens depois de cirurgias de implantação de pontes e procedimentos de angioplastia pode ser a de que as mulheres são menores e o mesmo acontece com seus vasos sanguíneos, que tenderiam assim a entupir de novo mais facilmente depois dos procedimentos.

Além disso, os cirurgiões que realizam a implantação de pontes em mulheres têm sido menos propensos a usar uma artéria do peito (em geral, uma artéria mamária), porque ela é menor e mais difícil de trabalhar ¿ embora o uso da artéria peitoral em vez da veia da perna (geralmente, uma safena) ofereça mais chances de sobrevivência duradoura para a maioria dos pacientes.

No passado, disse Alice, os cardiologistas tinham somente balões grandes e tubos volumosos para abrir vasos obstruídos, e alguns podem ter sido grandes demais para as mulheres. ¿Agora temos fios, balões e stents minúsculos, e isso deixou de ser um problema¿, disse ela, acrescentando que as taxas de procedimentos bem-sucedidos em mulheres estavam melhorando.

No caso de Kim Katchmann-Geltz, o problema real e subjacente pode ser um distúrbio chamado doença microvascular, um estreitamento ou endurecimento das artérias menores que alimentam o coração, vasos minúsculos demais para aparecerem num angiograma. Na doença microvascular, os vasos pequenos perdem sua capacidade de se dilatar e aumentar o fluxo sanguíneo para o coração. A causa não parece ser os depósitos de gordura como os que podem bloquear as artérias coronárias.

Os músculos das arteríolas engrossam num processo chamado de remodelação, e as paredes podem enrijecer e começar a se aproximar. O resultado disso é a isquemia, uma falta de fluxo sanguíneo. Com o tempo, ela aumenta o risco de insuficiências e ataques cardíacos.