Título: Revisão do Código de Trânsito
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Quando entrou em vigor, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), por ser avançado e conter normas rígidas e severas, foi considerado pelos especialistas o instrumento ideal para a melhoria das condições de segurança no trânsito. Oito anos depois, já não se pensa assim. Tanto que uma subcomissão, subordinada à Comissão de Viação e Transportes da Câmara Federal, começou a elaborar projeto de revisão da legislação de trânsito, com o objetivo de torná-la mais eficiente. Os estudos, coordenados pelo deputado Ary Kara - que relatou o projeto do Código, em 1998 -, visam a reativar artigos que, segundo ele, se tornaram "letra morta" ao longo do tempo. O novo texto deverá ser enviado ao plenário da Câmara até dezembro.

As normas mais rígidas instituídas pelo código foram apontadas como uma das principais causas da redução do número de mortes nas ruas e estradas do País, entre 1998 e 2000. Naquele último ano, o Ministério da Saúde registrou a ocorrência de 29.645 mortes por acidente de transporte, contra 31.026 em 1999. Mas a partir de 2001 a escalada sinistra recomeçou. Em 2003, o total de mortes atingiu 33.620. Atualmente, o País registra anualmente cerca de 1,5 milhão de acidentes, nos quais morrem 34 mil pessoas e outras 400 mil ficam feridas. A cada dia, 80 pessoas morrem em acidentes e 1.000 pessoas ficam feridas.

Especialistas atribuem o fracasso da aplicação do CTB à incapacidade dos governantes de enxergar nele algo além de um instrumento de arrecadação. O artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro determina que os municípios são obrigados a empregar 95% dos recursos arrecadados com multas de trânsito exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito, repassando o restante para a conta do Fundo Nacional para a Segurança e Educação de Trânsito.

No entanto, na maioria das prefeituras a receita das multas de trânsito vai para o caixa único e é usada para finalidades diferentes das estabelecidas por lei. A situação de sucateamento a que chegou a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), em São Paulo, onde a arrecadação deve chegar neste ano a R$ 500 milhões, é prova da falta de investimentos no setor.

Na proposta de revisão da legislação, os deputados federais pretendem frear a indústria da multa e punir severamente os municípios que não cumprirem o artigo 320 do Código de Trânsito. Em entrevista ao Jornal da Tarde, o deputado Ary Kara afirmou que a intenção é tornar mais severas as sanções contra prefeituras que desrespeitam o CTB.

Para acabar com o que consideram "ganância" dos prefeitos - a indústria da multa -, os deputados pretendem estabelecer limite mínimo para a fiscalização eletrônica de velocidade por meio de radares e lombadas eletrônicas, que não poderão ser usados em vias onde a velocidade máxima permitida for inferior a 60 km/h.

A criação de uma legislação nacional para regulamentar a atividade dos motoboys e mototáxi também está na pauta dos deputados. Segundo o coordenador dos trabalhos, as cidades não podem legislar sobre o assunto, mas estão criando normas por decreto, como ocorreu em São Paulo.

Ele lembra que, se cada cidade tiver regras próprias, um motociclista que, por exemplo, saia da capital e vá para um município vizinho poderá ser multado por desconhecer as normas locais. A subcomissão pretende ainda analisar 191 resoluções do Departamento Nacional de Trânsito, publicadas nos últimos oito anos, tratando desde a regulamentação de acessórios a regulamentos para empresas de transportes. Sempre que apropriado, essas resoluções integrarão o texto do CTB.

A revisão do Código é necessária. Muitas das virtudes do texto aprovado há oito anos foram anuladas, ou por desídia da fiscalização ou porque administradores públicos transformaram o Código num simples instrumento de arrecadação de receitas. O número crescente de mortes em acidentes de transportes é a prova de que essa situação não pode continuar.