Título: O FMI alerta o Brasil
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2006, Notas e Informações, p. A3

A advertência é do Fundo Monetário Internacional (FMI), habitualmente discreto quando se trata da política interna dos países: o governo brasileiro deve resistir às pressões para afrouxar a política fiscal. As pressões por aumento de gastos, alimentadas por interesses eleitorais, são evidentes e seus efeitos já aparecem nas contas públicas. Os economistas e diretores do Fundo não vivem no mundo da lua. As escolhas políticas dos brasileiros podem não ser de sua conta, mas é sua obrigação avaliar as práticas econômicas e financeiras e dar o alerta quando há sinais de perigo.

A referência às pressões contra a política fiscal foi a grande novidade, em relação ao Brasil, no Panorama Econômico Mundial divulgado em Washington na quarta-feira. O Panorama, preparado por economistas do FMI, circula em abril e setembro, com projeções econômicas e análises de grandes temas de interesse global. A recomendação de reformas estruturais mais amplas tem sido rotineira: as mudanças estão incompletas no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos. Mas a advertência quanto às pressões por maiores gastos foge da rotina e mostra uma nova preocupação.

O mesmo relatório menciona uma "intensa agenda eleitoral" na América Latina. A referência é acompanhada de uma recomendação: os governos devem esforçar-se para manter as políticas fiscais e para conservar "a credibilidade duramente conquistada" diante dos investidores - locais e estrangeiros.

Também essa menção foge dos padrões habituais nos últimos anos. Até recentemente, e desde a última década, as eleições na maior parte da América Latina foram caracterizadas pelos compromissos com a austeridade fiscal, o combate à inflação e o ajuste externo. Esses compromissos foram reiterados independentemente das filiações partidárias. O cenário mudou, nos últimos tempos, e a novidade foi certamente captada pelos técnicos do FMI. Eleição, na América Latina, voltou a ser sinônimo de risco econômico e financeiro e o Brasil não ficou fora dessa onda.

O discurso do governo brasileiro continua fiel aos padrões de austeridade valorizados desde a última década. Essa austeridade foi mais nominal do que real, porque os gastos continuaram a crescer e os superávits primários - calculados sem o pagamento de juros - têm dependido principalmente do aumento da carga tributária. Mas os gastos teriam sido maiores, se os ministros da área financeira não tivessem exercido alguma resistência. Nessa resistência, principalmente, consistiu a alegada austeridade dos últimos anos.

Neste momento, até essa resistência é duvidosa, apesar das boas intenções proclamadas pelo novo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Até agora, os interesses eleitorais têm prevalecido. Isso foi mostrado claramente pela avalancha de medidas provisórias destinadas a liberar dinheiro - de um orçamento não aprovado - para investimentos e gastos de custeio muito além dos necessários para a mera operação da máquina de governo. O gabinete político-eleitoral comandado pela chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, tem mostrado no dia-a-dia quem realmente é ouvido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Depois, mesmo a obtenção do superávit primário equivalente a 4,25% do PIB - hoje improvável - seria insuficiente para o ajuste fiscal necessário. Seria preciso ir mais fundo na reforma das contas públicas. Isso não é novidade, mas uma política mais ambiciosa já foi rejeitada por Guido Mantega antes de assumir o Ministério da Fazenda.

Apesar da política fiscal insuficiente, o Brasil conseguiu aprumar-se, nos últimos anos, e até antecipar o pagamento de sua dívida ao FMI. Essa façanha é mencionada no Panorama. Há alguns anos, mesmo antes de encerrado o programa com o Fundo, o Brasil saiu do foco das preocupações, porque parecia estar no caminho certo. Terá de pedir socorro, novamente, se continuar a desviar-se do caminho. Mesmo diante do afastamento, por enquanto, do risco de juros internacionais mais altos e de um ajuste desastrado na economia mundial, um governo responsável não deve descartar a hipótese de problemas sérios nos próximos anos. Deve, principalmente, procurar enxergar além das eleições.