Título: Assembléias resistem à Lei Fiscal
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Nacional, p. A7

Em vigor há seis anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal revolucionou a rotina da maioria dos governantes do País, mas ainda há focos de resistência no setor público, principalmente nos Poderes Legislativo e Judiciário. Levantamento realizado pelo Estado, a partir de dados da Secretaria do Tesouro Nacional, indica que pelo menos 11 Assembléias Legislativas e Tribunais de Contas continuam gastando com pessoal mais do que a Lei Fiscal permite. O caso mais grave é o de Rondônia, onde os deputados estaduais chegaram a criar uma "folha paralela" para financiar suas campanhas políticas - uma fraude que, segundo inquérito da Polícia Federal, pode ter desviado R$ 70 milhões dos cofres públicos.

A farra no ex-território de Rondônia vem desde 1999, mas atingiu seu ápice em 2002, quando o então presidente da Assembléia, Natanael José da Silva, montou um esquema de financiamento político e eleitoral que elevou a despesa de pessoal do Legislativo para 7,82% de toda a receita estadual - quando o limite previsto pela Lei Fiscal é de apenas 3% (dentro dos 60% total do Estado). Desde então, esse limite vem sendo ultrapassado, sem que o Tribunal de Contas tome alguma medida punitiva.

"A Assembléia de Rondônia é uma caixa-preta", diz o advogado Amadeu Guilherme Machado, ex-conselheiro e ex-presidente do TCE-RO, um dos poucos a votar pela rejeição das contas do Legislativo nos últimos anos.

"A crença na impunidade era tão grande que não houve o mínimo cuidado de esconder provas", afirma o superintendente-adjunto da Polícia Federal no Estado, Cezar Souza, lembrando que quase todos os deputados estão envolvidos no escândalo da "folha paralela" e, por isso, é difícil obter autorização da Assembléia para ações judiciais. Até o governador Ivo Cassol fez denúncias contra os deputados, a partir de conversas gravadas, e foi acusado de patrocinar irregularidades em sua base de apoio.

Segundo o delegado, o inchaço da folha de pessoal foi descoberto depois que a PF apreendeu na Assembléia um notebook que continha os nomes dos beneficiários. Cerca de 380 pessoas foram identificadas e chamadas a depor. Ao todo, existem 14 inquéritos contra os parlamentares de Rondônia, como o que investiga a cobrança de propina do governador Ivo Cassol em troca de apoio parlamentar.

SERGIPE

De forma menos escancarada, os limites de gasto com pessoal também são desrespeitados por outros Legislativos estaduais. O caso mais recente que veio a público foi o de Sergipe, onde a Assembléia e o Tribunal de Contas vinham gastando 5% da receita estadual com seus servidores e dirigentes. A Secretaria do Tesouro diz ter descoberto a irregularidade em julho do ano passado, mas só agora forneceu detalhes do caso, quando foi acusada de perseguir politicamente o governador João Alves (PFL) por negar aval a um empréstimo - conseqüência do descumprimento aos limites da Lei Fiscal.

O Ministério da Fazenda alega motivos de natureza política para não identificar os outros Legislativos que estão na mesma situação. Na prática, contudo, os dados da execução orçamentária informados pelos Estados ao Tesouro permitem rastrear os infratores. Foi justamente com base neles que a reportagem descobriu mais dez Assembléias e TCEs em que os gastos com pessoal superam os 3% definidos na Lei Fiscal: Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondônia.

Considerada a população, o Legislativo de Roraima é o que mais gasta: R$ 145 anuais por habitante. Em seguida aparecem o Amapá (R$ 131 per capita) e o Distrito Federal (R$ 116).

Pela Lei Fiscal, os órgãos do Legislativo deveriam dar ampla transparência às suas despesas com pessoal, divulgando-as pela internet a cada quatro meses. Poucos fazem isso, e entre os que fazem a maioria disfarça o desrespeito à Lei Fiscal com critérios de contabilidade das despesas de pessoal que contrariam as orientações da Secretaria do Tesouro.

É o caso de Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará. Os relatórios de gestão desses Estados não computam como despesa de pessoal o pagamento de aposentados e pensionistas ou o Imposto de Renda retido na fonte dos servidores. Essa flexibilização foi adotada originalmente nos tribunais do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais e hoje está sendo contestada pela Procuradoria-Geral da República em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF).

A criatividade dos tribunais é tão grande que no Rio de Janeiro, por exemplo, os conselheiros do TCE decidiram transferir o gasto com inativos do Judiciário e do Legislativo para a cota do Executivo, que é de 49% da receita. No Distrito Federal, o TCE e a Assembléia entendem que podem ter um limite duas vezes maior do que no resto do Brasil (6%), como ocorre como o Legislativo dos municípios.

"Estamos tentando estabelecer um padrão nacional que torne os procedimentos dos tribunais mais transparentes", diz o ex-deputado gaúcho Vitor Faccioni, presidente da Associação Nacional dos Tribunais de Contas. A recomendação, diz, é que todos os tribunais dêem transparência às suas despesas.