Título: Estimativas são de 1 mi de brasucas nos EUA
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Metrópole, p. C1,3

Os que chegaram há mais tempo investem em serviços para os novos

Fernando Castro, mineiro de Teófilo Otoni, 44 anos, chegou aos Estados Unidos em 1988 com visto de turista e foi ficando. Trabalhou em oficina mecânica, fez de tudo enquanto viveu em situação ilegal em Massachusetts e foi trazendo os irmãos. Com a situação em vias de ser regularizada, ele hoje ganha a vida preparando declarações de Imposto de Renda na firma que abriu há seis anos em Framigham, cidade da Grande Boston onde se estima que os brasucas sejam um quarto da população de 70 mil habitantes. A demanda pelos serviços cresce 50% ao ano e a empresa já tem 22 empregados - todos brasileiros, vários indocumentados - em quatro filiais na região. Pelo menos 40% dos clientes são imigrantes brasileiros em situação irregular. Fernando é o que se pode chamar imigrante de sucesso. E é solidário com os que sonham com o green card, o atestado de residência permanente nos Estados Unidos. "Eu vim de avião, com visto de turista. Esse pessoal que veio pelo México é muito corajoso."

A abundância de bares, restaurantes, salões de beleza e agências de viagem e remessa de dinheiro com nomes brasileiros na Grande Boston sugere que o contingente de brasucas indocumentados em Massachusetts é considerável. Seu tamanho exato, porém, é impossível de determinar. Segundo estimativas dos líderes da comunidade, seriam 150 mil a 200 mil só na região metropolitana de Boston, a mais antiga e maior área de imigração brasileira.

Com os mineiros do Vale do Jequitinhonha à frente, os brasileiros começaram a chegar em massa depois que a economia do País entrou em parafuso, nos anos 1980. Foram para Boston pela mesma razão que iriam depois para Newark, em New Jersey: as duas áreas abrigavam imigrantes portugueses, o que facilitava a comunicação. Hoje, há brasileiros em praticamente todos os Estados banhados pelos oceanos. Entre Miami e Fort Lauderdale, na Flórida, vive o maior número de brasileiros legalizados dos EUA - cerca de 100 mil. Algumas estimativas do número de brasileiros no país chegam à casa do milhão. Há, porém, uma diferença importante entre a imigração mais recente e a dos anos 80. Os primeiros vinham para fazer um pé-de-meia e voltar, anos depois, com dinheiro para construir casa e abrir um negócio.

"O aumento das medidas restritivas, principalmente depois do 11 de setembro, limitou a opção de ir para o Brasil, porque agora é cada vez mais difícil entrar de novo", diz Fausto Mendes da Rocha, do Centro do Imigrante Brasileiro. "Acho mesmo que, se houvesse uma legalização dos brasileiros indocumentados, teríamos uma redução a curto prazo dos nossos números aqui, porque muita gente voltaria para ver a família", diz. "Como estão deportando muita gente, acabaríamos tendo menos gente aqui."

No dia 1º de maio, Fernando Castro dará folga aos funcionários da firma. "Brasileiro não se mexe até ser ofendido e ameaçado, e agora isso aconteceu", diz, referindo-se à aprovação de um projeto de lei da Câmara de Representantes, em dezembro, que transforma em crime o ato de imigrar ilegalmente para os EUA ou de ajudar quem queira entrar ou permanecer no país sem o necessário visto.

"A repressão aos imigrantes aumentou muito desde o 11 de setembro, eles hoje se sentem ameaçados e, por isso, começam a reagir", confirma padre Volmar Scaravelli, gaúcho da região de Passo Fundo, 53 anos, que foi à passeata do dia 10 em Boston com vários membros da sua congregação de Santa Ana, de Everett. Ali, aos domingos, mais de 2 mil brasileiros lotam a igreja em duas missas. A confirmação do endurecimento da atitude oficial veio na quarta-feira, quando agentes federais prenderam 1.187 mexicanos que trabalhavam para uma subsidiária de uma companhia holandesa. A operação, levada a cabo em 26 Estados, foi apresentada pelo ministro da Defesa Interna, Michael Chertoff, como o início de nova estratégia, de combater a contratação maciça de ilegais como uma forma de crime organizado.

Para Fausto, a prova do aumento da repressão aos brasucas ilegais depois do 11 de setembro está nos números dos imigrantes presos e expulsos. Entre 40 e 50 brasileiros da região de Boston são deportados a cada mês. Antes, eles voltavam. Hoje, está mais difícil.

Em novembro, o governo mexicano, atendendo a pedido dos EUA, voltou a exigir vistos de entrada a brasileiros. Paralelamente, o governo americano adotou a estratégia de prender e deportar indocumentados detidos na fronteira, em lugar de detê-los, soltá-los e instruí-los a aguardar audiência com um juiz, como faziam. "Desde dezembro, não encontrei um único brasileiro que chegou via México", diz Fausto.

Sacerdote da ordem dos carlistas, cuja missão é cuidar das populações migrantes, Scaravelli diz que ficará surpreso se uma eventual reforma das leis de imigração permitir a regularização de mais de 30% dos indocumentados. "Imigrante ilegal é bom para o Estado, ganha menos do que um trabalhador normal, paga imposto, mas não tem direito a benefícios, não reclama de nada porque tem medo de ser deportado e não falta por medo de perder o emprego", diz. "Mantê-lo na ilegalidade é uma forma de reduzir os custos para os empregadores e controlar a inflação."

ESTUDOS

Sandra D'Ágostin, de 23 anos, não fará greve no dia 1º e cumprirá normalmente as tarefas de balconista numa das lojas da cadeia Dunkin Donuts, em Everett. Mais de 90% dos Dunkin Donuts de Boston são operados por imigrantes brasileiros como Sandra. Como já aconteceu com mexicanos e salvadorenhos que faltaram ao trabalho para participar de manifestações, a gerência regional da rede Dunkin avisou que despedirá quem não for no dia 1º.

Catarinense, Sandra é filha de um funcionário da prefeitura de Içara, perto de Criciúma, e fazia faculdade de Fisioterapia. Pelo nível de instrução e status social da família no Brasil, é uma brasuca atípica. Entre as mulheres imigrantes, a atividade mais comum é a limpeza de casas. É o que Meire, mulher de Fausto, continua a fazer mesmo após obter o green card. Com uma ajudante, limpa até quatro casas por dia, ganhando entre US$ 60,00 e US$ 100,00 em cada serviço.

Sandra chegou dois anos e meio atrás, pelo México. Mora com um tio, que imigrou há anos, e um irmão, recém-chegado. "Foi fácil, levei só quatro dias, e acho que valeu a pena", contou ela enquanto jantava no restaurante Sal & Brasa, um dos lugares onde os brasucas se encontram para conversar e ouvir sucessos de Zezé di Camargo e Luciano. "Acho que a gente é mais valorizada aqui do que no Brasil: tenho emprego e tenho liberdade, em parte também porque meus pais não estão aqui para me controlar." Do que sente falta em Boston? "Morro de saudades deles."

Sandra espera que a reforma das leis de imigração a favoreça. Recentemente começou um curso de auxiliar de enfermagem. Comunica-se com os pais pela internet. Nisso, é também diferente da maioria dos brasucas. Mas, como muitos, Sandra dirige seu carro sem carta de motorista. Como não tem número válido do Social Security - a previdência social dos EUA -, não consegue tirar a licença. Se tiver de ir embora, vai. "Mas se for, volto, porque acho que não conseguiria mais me adaptar à vida no Brasil." Qual o melhor dos mundos? "O ideal, para mim, era que o Brasil fosse nos Estados Unidos."

Para Edirson Paiva Jr. e Luciano Sodré, editores do jornal Brazilian Times, em Somerville, a mobilização dos brasileiros reflete maior acesso à informação. "Muitos são assinantes da Globo Internacional e da Record, vêem na TV em português notícias sobre sua própria realidade, que não acompanham nos canais americanos porque não entendem inglês", diz o mineiro Edirson, filho do fundador e dono do jornal, publicado três vezes por semana, com tiragem de 15 mil exemplares e distribuição gratuita. "Acho que a internet, entre os mais jovens, e a multiplicação de jornais como o nosso, que tratam dos temas de interesse dos brasileiros, também têm alguma influência", diz Luciano.

"Imigrantes convocados para o dia 1º de Maio", anunciava manchete do Brazilian Times, no dia 14. "Tal como a luta dos negros americanos há 40 anos, o movimento pelos imigrantes divide os políticos", diz o jornal, fazendo ligação entre a vida dos imigrantes e o histórico movimento pelos direitos civis.