Título: Brasileiros se mobilizam nos EUA
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Metrópole, p. C1,3

Surpresos pela própria reação às propostas de mudar lei, eles organizam adesão à greve marcada para o dia 1.º

Os 450 mil assinantes do Boston Globe podem ficar sem jornal no dia 1º de maio. É que os 5 mil entregadores - imigrantes brasileiros ilegais em sua maioria - ameaçam aderir ao Dia Sem Imigrantes, um boicote nacional que as organizações representativas dos cerca de 12 milhões de estrangeiros indocumentados que vivem nos Estados Unidos articulam para o Dia do Trabalho (comemorado em outra data nos EUA). Eles querem comprovar, com sua ausência, quão úteis e indispensáveis são para o país.

A idéia nasceu do filme Um Dia sem Mexicanos, comédia que mostra o que aconteceria na Califórnia se os imigrantes ilegais vindos do México desaparecessem. O objetivo da paralisação é manter a pressão criada pelas gigantescas manifestações em defesa dos direitos dos imigrantes realizadas em mais de cem cidades americanas nas últimas semanas e tentar influir no debate sobre a reforma das leis de imigração pendente no Congresso. A meta imediata é forçar a retomada pelo Senado da discussão de um projeto de lei que abre caminho para a legalização dos imigrantes que estão nos EUA há mais de cinco anos e adota medidas de reforço da vigilância e patrulhamento da fronteira com o México.

O projeto, de autoria dos senadores Edward Kennedy, democrata de Massachusetts, e John McCain, republicano de Arizona e pretendente à Casa Branca, foi aprovado em comissão, mas não chegou a ser votado no plenário. Ele é diametralmente oposto a uma proposta aprovada pela Câmara dos Representantes, em dezembro, que transforma em crime o ato de imigrar ilegalmente para os EUA, impõe a deportação de todos os estrangeiros em situação irregular e introduz pena de até 5 anos de prisão para os americanos ou imigrantes legais que prestarem assistência aos indocumentados.

A súbita disposição de indocumentados brasileiros de participar de uma campanha em defesa de seus interesses é motivo de surpresa na própria comunidade brasuca na área de Boston. Segundo uma anedota, os brasileiros ilegais são os prediletos do FBI: são tão desorganizados que nunca formarão uma máfia. A brincadeira reflete a falta de auto-estima exibida por indocumentados como Paulo Sérgio Alves, catarinense de Criciúma, 35 anos, que já entrou quatro vezes sem visto nos EUA nos últimos 15 anos - três pelo México e uma pelo Canadá. "Nós somos um povinho muito pouco instruído e mal informado", diz Paulo Sérgio, que é mestre de obras.

A piada do FBI começou a perder a graça no dia 10, quando centenas de brasucas, alguns empunhando bandeiras - brasileiras e americanas - juntaram-se a milhares de mexicanos, centro-americanos, irlandeses e russos numa manifestação no centro de Boston.

Fausto Mendes da Rocha, o diretor do Centro do Imigrante Brasileiro, em Allston, foi um dos líderes comunitários que se empenharam na mobilização dos compatriotas. Capixaba de 46 anos, há 18 nos EUA, Fausto descobriu sua vocação de ativista depois de experimentar na própria pele, quando trabalhava em limpeza de prédios em Boston, os abusos a que os ilegais estão sujeitos. "Em 2003, levamos dez ônibus cheios de brasileiros para uma manifestação em Nova York, mas a passeata do dia 10 foi a primeira em que a nossa presença foi visível", diz Fausto, cuja permanência nos EUA foi regularizada por ordem judicial, dois anos atrás, graças a seu trabalho com os imigrantes brasileiros e à pressão da imprensa local.

Evangélico, como a maioria dos brasileiros na Grande Boston, Fausto acredita que o envolvimento das igrejas na causa fez toda a diferença. "Os pastores costumam ser mais reservados em questões políticas, mas, desta vez, abriram seus templos e permitiram que eu e outros falássemos durante os serviços religiosos sobre a reforma das leis de imigração e por que devemos nos interessar", conta. O mesmo aconteceu nas congregações católicas, cuja hierarquia é hoje a grande força por trás da mobilização nacional em defesa dos direitos dos imigrantes nos EUA. Nada menos de dez pastores juntaram-se a meia dúzia de padres católicos brasileiros que servem às várias colônias de imigrantes da região e marcharam nas ruas centrais de Boston com os brasucas.