Título: Economia global desafia petróleo caro. Até agora
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Economia & Negócios, p. B6

Situação de tranqüilidade está prestes a acabar, dizem economistas. Mas o Brasil deve escapar: efeito será mínimo sobre as contas externas

Sexta-feira, o preço do barril do petróleo ultrapassou US$ 75, superando as previsões mais alarmistas. Apesar disso, a vida continua normalmente. A inflação mundial não subiu, não há recessão, nem filas em postos de gasolina. O preço real do barril de petróleo, em US$ 46, já está acima do valor registrado durante a crise de 1973-1974 (US$ 42), embora ainda esteja abaixo do valor da crise de 1979 (US$ 60). E ninguém entrou em pânico. O mundo desafia o petróleo caro.

Não por muito tempo. Essa anomalia econômica está prestes a acabar, garantem economistas. Fatih Birol, economista-chefe da Agência Internacional de Energia, sediada em Paris, disse ao Estado que mais alguns meses de petróleo a US$ 70 vão desacelerar a economia de países como Estados Unidos, China e União Européia neste ano.

A alta persistente do petróleo vai se transformar em inflação, o que exigirá elevação dos juros para conter a alta dos preços, levando a uma desaceleração da atividade econômica. Em 2004, o preço médio do petróleo ficou em US$ 45, saltando para US$ 56 em 2005 e US$ 63 neste ano. Neste nível, fatalmente trará pressões inflacionárias, dizem economistas.

Mas o País deve escapar deste novo choque. "Como o Brasil é praticamente auto-suficiente em petróleo, o impacto da alta do petróleo será muito pequeno", disseram os economistas Nikola Spatafora e Alessandro Rebucci, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Eles elaboraram o estudo "O preço do petróleo e os desequilíbrios globais", parte do relatório Panorama Econômico Mundial, recém-divulgado pelo Fundo. O efeito direto da alta do petróleo sobre as contas externas do País será mínimo e a inflação também não deve se alterar, dizem os economistas.

Segundo Fábio Silveira, diretor da RC Consultores, a gasolina está com uma defasagem de 10% no preço e o diesel, de 4%. "Mas, em ano de eleição, o governo obviamente não vai deixar a Petrobrás reajustar a gasolina e o diesel", diz Fábio Silveira, diretor da RC Consultores. "Os derivados do petróleo, como nafta, resinas plásticas e outros, acompanham os preços internacionais, mas o impacto não será significativo. Trabalhamos com IPCA de 4,7%, pouco acima da meta de 4,5%."

Mas o Brasil vai sofrer os efeitos indiretos do novo choque. Que podem não ser pequenos. Há uma sincronia entre a alta dos preços do petróleo e os juros mundiais, que começam a se elevar. "A combinação destes dois fatores pode levar a um ponto de inflexão na situação de desequilíbrio da economia mundial", escreveu em seu relatório semanal Stephen Roach, economista do Morgan Stanley. Leia-se: pode ser o dia D para os Estados Unidos, que vão ter de corrigir seus déficits, elevar os juros e desacelerar a economia. E isso afeta o mundo inteiro.

DESEQUILÍBRIO

Para os economistas do FMI, a alta persistente do petróleo agrava os desequilíbrios da economia mundial. Hoje, os EUA acumulam um déficit em conta corrente monumental, de 6,4% do PIB. O país é financiado por países asiáticos (principalmente a China), que têm superávits em conta corrente por causa da grande exportação de produtos para o mundo (e EUA).

A China usa esse dinheiro extra para comprar títulos da dívida dos EUA e financia, assim, as importações dos americanos (de produtos chineses). A mesma dinâmica funciona com os países exportadores de petróleo. Com a alta do preço do barril, eles têm altos superávits em conta corrente, e reciclam esses petrodólares comprando títulos dos EUA (financiando déficit e importação de petróleo).

O FMI calcula que, a cada aumento de US$ 10 no preço do barril, o déficit em conta corrente americano aumenta em US$ 45 bilhões (em 2005, déficit chegou a US$ 829 bilhões). Ao mesmo tempo, cada elevação de US$ 10 no barril leva a aumento de US$ 145 bilhões no superávit em conta corrente dos países exportadores de petróleo. "A reciclagem dos petrodólares está financiando os déficit em conta corrente dos países importadores de petróleo. Quanto mais sobe o petróleo, maior a magnitude dos desequilíbrios globais", diz Spatafora.

Para Fatih Birol, o preço do petróleo deve ficar acima dos US$ 50 nos próximos anos. "Por enquanto, há pouca capacidade ociosa e pouco investimento em expansão, se levarmos em conta o ritmo do aumento da demanda mundial", diz. A capacidade ociosa hoje é de 3,5%. O ideal seria de 10%. Demanda forte e oferta sem crescimento fazem com que tensões em produtores como Irã, Iraque e Nigéria continuem ocasionando saltos nos preços.