Título: CIA libera seus papéis sobre anos de chumbo
Autor: Marcelo de Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Nacional, p. A10

Não é apenas no Brasil que existem ainda arquivos secretos sobre o período da ditadura militar. Documentos confidenciais produzidos por órgãos do governo dos Estados Unidos estão sendo liberados nos últimos anos pelos americanos e revelando segredos sobre o regime militar brasileiro. Boa parte desse lote de documentos descreve cenários políticos, revela bastidores diplomáticos e relata informações sobre denúncias de tortura no País.

Alguns apresentam dados pormenorizados sobre a situação política nacional. Um deles, feito pela CIA em 11 de setembro de 1969, tem o título de Instabilidade no Brasil e trata da crise dentro do governo brasileiro provocada pelo derrame cerebral que afastou o presidente Artur da Costa e Silva do poder em 30 de agosto (substituído por uma junta militar, no dia seguinte) e pelo seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 4 de setembro.

"Os desenvolvimentos dos últimos dez dias no Brasil - presidente Costa e Silva debilitado por derrame, o seqüestro do embaixador Elbrick por terroristas de esquerda e o crescimento da insatisfação militar com o governo - têm combinado para agravar a desunião militar e ameaçar a estabilidade do governo", descreve o relatório da CIA, classificado na época como secreto. "Um prolongado período de instabilidade governamental ou uma mudança para um governo mais nacionalista teria maiores implicações para o grande programa americano de ajuda ao Brasil e para substanciais investimentos americanos no País." diz o texto.

Nas conclusões, o relatório faz as previsões acertadas que Costa e Silva não voltaria mais ao poder e a desarmonia da junta militar que o sucedeu faria com que seu mandato fosse breve. Percebendo a corrida sucessória pela vaga de Costa e Silva, o relatório descarta as chances de um civil no posto, que acabaria sendo ocupado pelo general de linha dura Emílio Garrastazu Médici. "As chances de algum civil, mesmo um amigo "afinado" dos militares, para suceder Costa e Silva devem ser consideradas extremamente baixas. A única exceção possível é o ministro da Justiça, Gama e Silva, que tem sido uma voz líder em encorajar um governo autoritário e em adotar medidas duras para fortalecer a segurança nacional. Apesar de ele claramente refletir a visão dos militares nesses assuntos, como civil ele não possui o prestígio e apoio entre os militares que um oficial teria e parece ser essencial ao candidato presidencial", descreve o texto.

Descartada a solução civil, o documento analisa as opções dos grupos militares que já disputavam nos bastidores a sucessão de Costa e Silva. "Se um general da velha guarda - como Geisel, Medici, Muricy ou Lyra Tavares - for escolhido, os oficiais mais jovens, que apóiam homens como os generais Albuquerque Lima, Syseno Sarmento ou Dutra de Castilho, provavelmente permanecerão insatisfeitos. Esses jovens oficiais poderiam estar aptos a expressar seu descontentamento abertamente e provavelmente não desistiriam de tentar colocar um homem que considerassem aceitável na Presidência", aponta o documento. "A velha guarda, por outro lado, pode não ficar a favor de um oficial com a cabeça reformista, mas provavelmente apoiaria um deles em nome de manter a unidade militar", acrescenta o texto.

Os documentos desclassificados (jargão técnico que indica a liberação oficial de um papel governamental secreto) pelos Estados Unidos estão disponíveis em formato digital na internet nos sites de órgãos do governo americano e de instituições de pesquisa sobre o assunto. Grande parte pode ser encontrada através de pesquisa no site do Freedom of Information Act - FOIA (http://foia.state.gov). O site do The National Security Archive, organização não-governamental independente, localizada na The George Washington University, em Washington, também mostra uma farta quantidade de documentos coletados, analisados e publicados por seus pesquisadores (www.nsarchive.org), dentre os papéis desclassificados pelos americanos através do FOIA.