Título: Os riscos e os juros
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Alguns analistas entenderam que o Banco Central passou um "recado" quando deixou registrado no comunicado emitido logo após a reunião do Copom da última quarta-feira que "vai acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até a sua próxima reunião, para então definir os próximos passos em sua estratégia de política monetária".

Como essa frase não estava no comunicado da reunião de março, houve quem entendesse que o Banco Central está preparando corações e mentes para uma redução de dose no corte dos juros. É provavelmente uma conclusão apressada porque frases equivalentes a essas têm aparecido em outras notas oficiais ou, até mais freqüentemente, nas atas do Copom, sem que tivessem suscitado inquietações.

Em todo o caso, essa suposição tem seu lado positivo na medida em que mostra que o Banco Central está sendo levado a sério no que diz ou deixa de dizer.

A política de gerenciamento de expectativas é essencial na condução da política de metas de inflação. Seu objetivo é o de que haja convergência entre o que os agentes econômicos esperam que aconteça e o que o Banco Central pretende que aconteça. Quando essa convergência ocorre, a política de metas ganha eficiência.

De todo modo, se o tal cenário macroeconômico pode suscitar preocupações, é preciso ver onde se concentram os riscos.

A economia interna ainda passa por problemas graves. O mais grave deles é o desequilíbrio fiscal: é o governo gastando muito mais do que suportam suas pernas. Somente o rombo da Previdência Social avança para mais de 2% do PIB. Mas são bombas que, se não forem desarmadas, só vão explodir mais adiante e não no intervalo entre uma reunião e outra do Copom. Dentro desse prazo, não há problema grave no front interno da economia. Ao contrário, tudo foi montado para que o melhor momento da economia coincidisse com as eleições gerais.

As maiores ameaças estão lá fora. Não estão entre elas os ajustes de longo prazo, como o dos megadéficits dos Estados Unidos, que ninguém sabe quando, como e se acontecerão.

A incerteza maior está no comportamento dos preços do petróleo que, na sexta-feira, em Nova York, fechou com a marca recorde de US$ 75 por barril de 159 litros.

Também não se pode descuidar do impacto que deverá ser causado pela impressionante alta dos preços das matérias-primas. De acordo com os levantamentos da Economist Intelligence Unit, nos últimos 12 meses, o Índice dos Preços das Commodities subiu 20%. Por esse medidor, no mesmo período, a alta das commodities alimentícias foi de 6,6% e a das commodities metálicas, de 44,1%.

Por trás desse galope está a forte demanda por petróleo e demais commodities provocada pela China e por mais quase uma dezena de países asiáticos.

O risco é o de que essa corrida de preços puxe para cima os custos de produção e semeie inflação nos países ricos. Por enquanto, fala-se mais em risco do que em efeito inevitável porque a acelerada incorporação de Tecnologia da Informação em todo o mundo está derrubando custos e, em boa medida, compensando a alta dos preços da energia e das matérias-primas.

Ninguém sabe até onde pode ir essa compensação. Por isso é que cada divulgação de índice de preços nos Estados Unidos é aguardada com nervosismo. Os administradores de patrimônio sabem que, se a inflação disparar, os bancos centrais terão de puxar os juros. Se isso acontecer, os títulos de dívida dos países ricos ficarão mais atraentes para o investidor que, em seguida, fugirá dos ativos de risco (ações e títulos de países emergentes). Uma reacomodação dessas implicará transferência de riqueza em larga escala.

Assim, juros internacionais mais altos do que o esperado tendem a puxar para cima as cotações do dólar no câmbio brasileiro ou, até mesmo, estimular transferências de capital que, por sua vez, podem ter impacto adicional sobre o comportamento da inflação interna. Se for relevante, em princípio essa inflação adicional também terá de ser combatida no Brasil com reforço dos juros. Está aí, portanto, o que o Banco Central pretende acompanhar para definir os próximos passos da estratégia da política monetária.

Mas isso não é "recado". Não há pêlo em ovo, a menos que alguém o coloque lá.