Título: Bolívia Oriental critica governo intervencionista
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Economia & Negócios, p. B5

Para líder regional, Evo Morales não pode prescindir de investimento privado se faltam recursos públicos

A atual crise política da Bolívia tem um nome: Evo Morales. É dele o legado de protestos contra o governo federal que agora emerge da parte Oriental da Bolívia contra ele próprio. Foi com o método do "paro cívico" que Morales derrubou o então presidente Carlos Mesa, em julho de 2005, e abriu caminho para a vitória eleitoral no pleito do final do ano. O mesmo método é a arma agora da Província de Germán Busch e pode ser de todo o Departamento (equivalente a um Estado no Brasil) na batalha para obter um plano regional próprio de desenvolvimento econômico e social, calcado mais na iniciativa privada do que na intervenção estatal.

Nesta parte do país, Morales nunca foi bem visto. Na eleição do ano passado, o Departamento de Santa Cruz, que já anunciou para o dia 26 a data-limite para uma resposta definitiva sobre seus pleitos antes de chamar uma greve geral, rechaçou Morales como opção eleitoral. Em todo o Departamento, o atual presidente recebeu 23% dos votos. Tuto Quiroga foi o candidato preferido, mas perdeu por causa da força política de Morales na parte Ocidental.

Ninguém ignora o fato de que a posição do governo de Morales em relação à região tenha origem na falta de apoio que recebeu da área nas eleições. Os líderes do "paro" na Província de Germán Busch cobram uma postura menos "autoritária e revanchista" do governo central. "Ele obteve vitória no primeiro turno com 54% dos votos, mas a Bolívia não se resume aos que votaram nele. Temos uma tradição de democracia. Há correntes políticas diferentes no país que não podem ser menosprezadas, ignoradas", diz Edil Gericke, presidente do Comitê Cívico de Puerto Suárez, um dos principais líderes da greve que fechou a fronteira com o Brasil.

A região reivindica recursos para saúde e educação. É precária a situação regional. Não há estradas pavimentadas, indústrias ou qualquer atividade econômica de maior peso. A que existe enfrenta situação inédita. A EBX, empresa de capital brasileiro, pode ser obrigada a deixar o país. Na unidade inacabada, onde o plano era produzir 800 mil toneladas por ano de ferro-gusa, trabalham 950 pessoas e, delas, 680 foram demitidas com o embargo da obra.

A região cobra do governo uma posição menos intervencionista, principalmente em relação ao prosseguimento da licitação que concederá a Jazida de Mutún, um colosso com 40 bilhões de toneladas de minério de ferro, completamente inexplorada. O processo licitatório, previsto para janeiro, foi suspenso pelo governo e tem sido constantemente adiado.

Gericke chega a acusar o governo de uma manobra para inviabilizar a licitação a fim de garantir a concessão da jazida a um consórcio venezuelano. "O governo quer anular a licitação para trazer para a Bolívia um consórcio venezuelano chamado Orinoco, que contrataria diretamente a antiga corporação de mineração da Bolívia. Isso seria um desastre, porque é uma empresa corrupta."

De acordo com o líder, o governo não pode prescindir do investimento privado, já que não tem recursos públicos para investimentos. Por isso, exige que a EBX possa retomar uma obra que já consumiu US$ 50 milhões e que pode consumir mais US$ 200 milhões. Os sinais internacionais dados pelo país, segundo a região, são todos para afugentar investimentos.

Há um colossal abismo entre a orientação nacionalista do novo governo e as posições mais liberais da parte Oriental da Bolívia. A revisão das leis bolivianas, que inclui a nacionalização dos poços de gás - posição que tanto tem preocupado a Petrobrás (cujo investimento no país já chega a US$ 1,5 bilhão) -, mostra uma posição intervencionista e centralizadora do governo. A Bolívia recupera, de certa forma, a idéia de um Estado Socialista, com apetite para promover estatizações por decreto sob o argumento de criar algum tipo de eqüidade social num país economicamente pobre, mas com organização social muito aguerrida.

Morales conseguiu na sexta-feira a suspensão do "paro" por alguns dias, condição que impôs para negociar. Mas o mecanismo que agora o preocupa foi o mesmo que usou tempos atrás e que pode voltar. Ele não tem vocação para pacificador e isso pode custar-lhe caro.