Título: Fray Bentos sem desemprego
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

Na principal avenida, a 18 de Julio, cachorros dormem nas calçadas. Na Praça da Catedral, um coreto de estilo vitoriano (orgulho dos fraybentinos, junto com o Teatro Young, uma pérola art-noveau, e os cinematográficos crepúsculos sobre o Rio Uruguai) é a plácida paisagem que os aposentados observam, enquanto bebem chimarrão. Nem sequer a chegada das megafábricas que transformarão a região no maior pólo de celulose do mundo alterou a calma da pequena cidade de 20 mil habitantes. O comércio fecha na hora do almoço, pois é imperativo praticar "la siesta".

Mas por trás da calma e da sobriedade uruguaias, o sentimento dos fraybentinos é que a instalação da Botnia e da Ence será a salvação da cidade, que amargou mais de três décadas de decadência, desde que o outrora poderoso Frigorífico Leibig - que fez de Fray Bentos a capital mundial da carne seca - fechou as portas nos anos 70. Eles acham que Fray Bentos saiu do inferno da crise direto para o paraíso - a taxa de desemprego de 18% foi zerada.

Em El Ángel, um dos poucos restaurantes da cidade, Natalia Márquez, gerente e filha do dono, afirmou ao Estado que a oposição argentina às fábricas não passa de politicagem das lideranças do outro país. A jovem disse que, graças à atividade das fábricas, sua família nunca teve tanto trabalho.

Já o prefeito Omar Lafluf lamenta a falta de compreensão dos argentinos e os piquetes, que colocaram a economia uruguaia em xeque. Segundo Lafluf, as empresas têm tecnologia de ponta. "Estamos dispostos a ter com os argentinos uma comissão bilateral de fiscalização para verificar se as empresas vão poluir. Mas eles não querem."

O motorista Fabián Lacoste é outro entusiasta. "Os ecologistas querem proteger os passarinhos. Mas os pais de família querem trabalho. Os argentinos poderiam ganhar dinheiro com as fábricas ,também", disse.

A única opositora ostensiva às fábricas é a professora aposentada de Literatura Delia Villalba, entusiasta militante ambientalista de 71 anos. "Virei a ovelha negra. Muitas pessoas nem me cumprimentam mais. Mas outras, que têm medo de dizer que são contra as fábricas, me parabenizam em segredo", conta.