Título: Celulose aproxima Uruguai dos EUA
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

Biquínis, piquetes nas estradas e processos nos tribunais internacionais. Tudo vale na "guerra da celulose", travada desde o ano passado entre a Argentina e o Uruguai. O conflito, a pior crise diplomática entre os dois países desde 1955, está em plena escalada e tem como pivô a construção de duas fábricas de celulose no município uruguaio de Fray Bentos, sobre o Rio Uruguai, que divide os dois países.

Os fraybentinos defendem a instalação das empresas alegando que nelas está seu paraíso econômico, após décadas de estagnação. Do lado argentino, os habitantes de Gualeguaychú protestam afirmando que as fábricas serão um apocalipse ambiental, que acabará com a agricultura, piscicultura e o turismo da região.

Os presidentes dos dois países - o argentino Néstor Kirchner e o uruguaio Tabaré Vázquez - fizeram dessa crise uma aposta política que só um vencerá e o derrotado sofrerá um duro golpe. Para Vázquez, isso seria péssimo, já que enfrentaria problemas para manter coesa a Frente Ampla, a coalizão de centro-esquerda que o levou ao poder. Para Kirchner, uma derrota seria pior ainda, pois aspira à reeleição no ano que vem.

Para os uruguaios, a instalação das empresas - a finlandesa Botnia e a espanhola Ence - significa o maior investimento de sua história, de US$ 1,8 bilhão, ou 13% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Além de ser crucial na recuperação econômica do Uruguai, seria o primeiro grande passo para livrar o país da dependência da carne bovina, de laticínios, trigo e lã.

Para definir sua estratégia ante os argentinos que apelaram à Corte Internacional de Haia, os uruguaios contrataram o escritório americano especialista em conflitos internacionais Foley Hoag LLP, informou o diário El Observador, em sua edição de ontem.

O porta-voz da Botnia em Fray Bentos, Bruno Vuan, disse ao Estado que no fim do ano a empresa estará empregando 4 mil pessoas - embora deva empregar só 300 funcionários quando pronta, induzirá a geração de 8 mil vagas. Para a cidade, que tem 20 mil habitantes, será o fim do desemprego e a volta da prosperidade vivida no começo do século 20, quando era a capital mundial do corned beef e abastecia o mercado europeu.

Mas em Gualeguaychú o clima é de pânico com a poluição que causariam as fábricas. Ali, a expectativa é que a Corte Internacional de Haia dê um parecer favorável às suas reivindicações e ordene a paralisação da construção das fábricas.

Os gualeguaychenses iniciaram os protestos há três anos, quando souberam dos projetos. Mas só a partir de agosto, Kirchner, que jamais mostrara paixões ecológicas, passou a apoiá-los, de olho nas decisivas eleições parlamentares de outubro passado e na reeleição em 2007.

De lá para cá, Kirchner disparou críticas contra Vázquez, pediu ao Banco Mundial que não fornecesse créditos à Ence e Botnia. Paralelamente, os habitantes de Gualeguaychú realizaram piquetes em 2 das 3 pontes que ligam os 2 países. Em janeiro, os piquetes tornaram-se quase permanentes, impedindo a passagem de milhares de turistas argentinos que iam passar o verão nas praias do país vizinho, além de caminhões com mercadorias.

Os uruguaios sustentam que os bloqueios causaram perdas de mais de US$ 350 milhões. "Estamos sendo bloqueados como Cuba", exclamou Vázquez. "Lutamos por nossa vida e a de nossos filhos", responderam os moradores de Gualeguaychú.

Vázquez tentou levar a briga para o âmbito do Mercosul, mas o Brasil preferiu ficar de fora. Agora, o presidente uruguaio já fala em assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.