Título: Justiça decidiu que Marcola não é líder do PCC
Autor: Marcelo Godoy ... [et al.]
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Metrópole, p. C1
Uma decisão da Justiça: Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, não é o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), nem tem relação com atentados, assassinatos, tráfico de drogas, apesar de a facção criminosa pôr o Estado de ponta-cabeça cada vez que ele é transferido. Em março, a 12ª Vara Criminal de São Paulo absolveu o criminoso da acusação de formação de quadrilha no processo em que ele era acusado de liderar o PCC.
Ao mesmo tempo, a Justiça paulista decidiu que não havia provas para mandar Marcola para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), apesar de ter sido apanhado com um celular . Fora do RDD, Marcola pôde continuar a dar ordens e é apontado pela polícia como o responsável pela maior onda de ataques contra o Estado.
"A Justiça está com medo do PCC. Temem ter o mesmo destino do juiz Machado", disse um integrante da cúpula da Polícia Civil. O juiz Antônio Machado Dias, corregedor dos presídios de Presidente Prudente, foi assassinado em 2003 a mando do PCC porque não atendia às exigências dos bandidos.
Enquanto Marcola, de 38 anos, era mantido fora do RDD, a mesma Justiça considerava haver provas para mater nos últimos cinco anos o seqüestrador Maurício Hernandez Norambuena, líder da gangue que manteve em cativeiro o publicitário Washington Olivetto, no RDD. Norambuena nunca ordenou ataques à polícia.
Por iniciativa do governo do Estado, Marcola voltou ontem ao RDD. Por enquanto, sua passagem lá é temporária, pois a lei permite que ele seja internado por um prazo de dez dias sem que a Justiça seja consultada.
Preso desde 19 de julho de 1999, Marcola passou por cadeias de seis Estados. Nenhuma conseguiu impedir que ele continuasse liderando a facção criminosa. Nascido em Osasco, ele é filho de pai boliviano e mãe brasileira. Sua carreira de bandido começou aos 9 anos, como trombadinha na Baixada do Glicério, no centro de São Paulo, nos anos 80. Abandonou a escola na 4.ª série do antigo primeiro grau e se transformou em colega de Cesar Augusto Roris, o Cesinha, um dos fundadores do PCC. Foi Cesinha quem levou o amigo para a facção.
Os pequenos furtos e roubos no centro de São Paulo lhe valeram uma ida à Febem. Ganhou o apelido de Marcola quando passou a assaltar bancos. Foi preso e acabou condenado a 22 anos e 2 meses de prisão por três roubos. Seguiu para a antiga Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru.
Casou-se na prisão, em 1990, com a advogada Ana Maria Olivatto, assassinada a mando de rivais em 23 de outubro de 2002. O gosto por roupas de marca e tênis importados fez com que ele ganhasse um novo apelido entre os presos: Playboy. É assim que Marcola é conhecido no PCC. Ele entrou para o PCC pouco depois da fundação da facção criminosa, em 1993. Em 1997, escapou da prisão. Acabou recapturado e mandado à Detenção, de onde fugiu em 1998. Passou a fazer grandes assaltos. Roubou R$ 7 milhões da base da transportadora de valores Transpev, em 2 de agosto de 1998.
Na rua, andava de carro importado e alugava jatinho para se descolar entre os Estados. Com o dinheiro dos roubos, comprou uma fazenda no Paraguai. Acabou recapturado quando vinha fazer uma visita ao irmão, Alejandro, em São Paulo. Desde então, nunca mais saiu da prisão.
Na cadeia de novo, Marcola liderou a rebelião que destruiu o presídio de segurança máxima de Taubaté. Foi ali que o PCC consolidou sua liderança nas prisões do Estado, ao decapitar nove presos do rival Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC). O Estado tentou reagir contra a liderança do PCC e, em fevereiro de 2001, transferiu Playboy para Santa Catarina, o que foi um dos motivos da primeira megarrebelião feita pelo PCC em São Paulo. O bandido ainda não era o chefe da facção, mas aproveitou bem o tempo de turismo carcerário, quando deixou Santa Catarina e passou pelo Rio Grande do Sul, Minas, Goiás e Distrito Federal. Exemplo disso é que data dessa época o fechamento da aliança do PCC com o Comando Vermelho (CV). O acordo foi fechado quando Playboy esteve na mesma prisão de Brasília onde se encontrava o traficante Fernandinho Beira-Mar. Quando retornou a São Paulo, em 2002, José Márcio Felício, o Geleião, comandava o PCC ao lado de Cesinha, o velho amigo de Marcola. Considerado extremamente cruel, foi Geleião quem criou a prática de atacar o órgãos do Estado como forma de pressionar o governo. Ele chefiou a primeira onda de atentados praticados pela facção - os alvos foram fóruns da Justiça Criminal - e planejou ataques terroristas indiscriminados à população civil, que foram evitados pela polícia, como os ataques à Bolsa de Valores e ao metrô.
Os ataques promovidos por Geleião, no entanto, causaram um racha na organização. A briga entre ele e Cesinha abriu espaço para que Marcola assumisse o controle da organização no fim de 2002. Playboy foi enviado para a Penitenciária 1 de Avaré, onde ficava isolado. Seu principal porta-voz passou a ser o preso Rogério Jeremias Simone, o Gegê do Mangue. Foi por meio dele que Marcola deu a ordem de matar o juiz Machado Dias. Marcola também foi o responsável por organizar o PCC nas ruas, dominando a maioria dos pontos de droga na Grande São Paulo e na Baixada Santista, além de investir em linhas de lotação. Eliminou todos os que ficaram em seu caminho.
Em 2003, Marcola retomou a estratégia de atacar órgãos do Estado para pressionar o governo. Dessa vez, o alvo foi a polícia. O mesmo ocorreu em janeiro deste ano. Ao mesmo tempo, o criminoso ampliou sua organização, que hoje domina quase 90% das prisões paulistas e já contaria com cerca de 50 mil membros e simpatizantes.
Marcola resolveu não mais se submeter às decisões do Estado, como a atual transferência dos líderes do PCC para Presidente Venceslau. Usa todas as suas armas para mostrar ao Estado que ele é quem manda.