Título: A maior rebelião da história
Autor: Marcelo Godoy ... [et al.]
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2006, Metrópole, p. C1

O Brasil assistiu, nas últimas 48 horas, à maior rebelião prisional de sua história, orquestrada pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Apenas no Estado de São Paulo, presos e presas se amotinaram em 71 dos 105 presídios de regime fechado, deixando pelo menos 15 detentos mortos. Haveria ainda mais duas mortes, não confirmadas, em Jundiaí. O Estado, às 22 horas, só admitia a morte de três presos e anunciou que 25 motins haviam sido controlados.

Foram feitos reféns mais de 200 funcionários, além de visitantes. Em Jaboticabal, um diretor da prisão teve 70% do corpo queimado. O motim em série também atingiu cadeias administradas pela Secretaria da Segurança Pública, mas, até as 22 horas, não havia um balanço oficial desses casos. O levante se estendeu por prisões em outros Estados: Paraná e Mato Grosso do Sul (Veja na página C5).

O número de presídios paulistas rebelados superou o recorde anterior, de 18 de fevereiro de 2001, quando integrantes do PCC realizaram um levante em série em 25 presídios e 4 cadeias. Nas duas ocasiões, o telefone celular foi a principal arma da facção criminosa para articular o movimento nas prisões.

Ontem, o caso mais grave ocorreu na rebelião da cadeia de São Sebastião, no litoral norte: oito presos foram mortos e oito, atendidos com queimaduras. Havia informações de mais seis feridos dentro da cadeia.

Em Taubaté, dois presos também foram mortos no Centro de Detenção Provisória, durante confronto com policiais. A rebelião foi controlada às 16h20, mas foi recomeçada por volta das 18h30, quando os rebelados tomaram oito agentes penitenciários como reféns.

Na Penitenciária Feminina da Capital, uma presa morreu.Até o início da noite de ontem nenhum parente havia aparecido para reclamar o corpo. Na cadeia de Jundiaí, onde o motim terminou às 20 horas, teriam morrido três presos. Já na de Jaboticabal, seria um morto.

Mais dois presos foram mortos na Penitenciária de Ribeirão Preto. Nove funcionários do presídio e mais de cem visitantes ficaram em poder dos rebelados. Os presos se rebelaram em protesto contra a transferência de 15 deles para o presídio de Presidente Venceslau. O motim só terminou no fim da tarde de ontem.

A Marginal do Tietê ficou interditada cerca de meia hora ontem de manhã, por causa de uma rebelião no Centro de Detenção Provisória do Belém, na zona leste de São Paulo. A interdição na pista local foi feita por volta das 9 horas pela PM, por segurança. Parentes dos presos do CDP fizeram uma manifestação na Marginal. Eles foram impedidos de entrar para as visitas devido à rebelião.

No Pontal do Paranapanema, das 11 penitenciárias que aderiram à rebelião, 6 continuavam amotinadas no fim da tarde. Em Junqueirópolis, os guardas da muralha dispararam para evitar fuga dos rebelados.

Parentes de presos mantidos como reféns iam passar a noite nos presídios amotinados na região de Campinas. Estavam rebelados até as 22 horas de ontem, os detentos do CDP de Hortolândia, das Penitenciárias 1, 2 e 3. Em Americana, também foi registrada rebelião.

O motim em série, que se agravou ontem, um domingo de visitas, em pleno Dia das Mães, data sagrada para a população carcerária, surpreendeu as autoridades do sistema prisional paulista. Em muitas unidades, mães que chegaram de longe não puderam ver os filhos. Mulheres - algumas com crianças - também foram barradas na portaria e não conseguiram visitar os maridos.

Foi o que aconteceu com a dona de casa Iranice Maria de Oliveira Couto, 22 anos. Ela chegou às 11 horas no Centro de Detenção Provisória 1 (CDP) de Guarulhos, na Grande São Paulo. Maria carregava sacolas com alimentos e a filha Raquel, de 1 ano e 5 meses. Ela pegou duas conduções, gastou dinheiro, mas não pôde ver o marido.

Pela mesma frustração passou a aposentada Rosa Cecília Figueiredo Ribeiro, de 56 anos. Ela saiu às 6 horas do bairro Limoeiro, na zona leste, mas também não pôde receber o abraço do filho - preso por roubo. Grávida de 7 meses, Elaine da Silva, 22 anos, também perdeu a viagem. Ela veio de Limeira.

Na Penitenciária Feminina Sant'Anna, no Carandiru, mães e outros visitantes também foram barrados na portaria. As detentas se rebelaram. Muitos parentes das presas, porém, já haviam entrado na unidade. Zenaide Gabriel Júlil, 60 anos, não teve a mesma sorte. Moradora na Vila Prudente, zona leste, ela chegou às 13h40, mas não ficou sem ver a filha.

Do lado de fora da Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, parentes aguardavam notícias das presas. Algumas detentas, das janelas, tentavam mostrar aos fotógrafos cápsulas de balas que teriam sido disparadas por guardas da muralha e funcionários.