Título: Violação de sigilo indica uso político do Estado 'PT não aparelhou o governo', garante Berzoini
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Nacional, p. A13

Depoimento de Bastos na Câmara não esclareceu sua atuação no caso

Numa exaustiva batalha contra deputados da oposição, na última quinta-feira, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dedicou-se por oito horas a explicar que nem ele nem seu ministério participaram de qualquer operação para ajudar o ex-ministro Antonio Palocci na sua luta contra o caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo. Não teve muito êxito.

A oposição continuou a sustentar que, ao indicar um famoso criminalista para defender Palocci, Bastos misturou seu papel de ministro com o de advogado particular. Representando a lei, não poderia ter colaborado com um cidadão que havia cometido um delito. "Não adianta o ministro dizer que não sabia o que Palocci havia feito. Como poderia lhe indicar um profissional adequado, sem saber qual era o problema específico a ser resolvido?", pergunta o deputado Roberto Freire (PPS-PE).

"Bastos foi um excelente advogado do governo e de si mesmo", avaliou o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). "Ele sempre fez isso muito bem. Basta ver como a Polícia Federal executou operações importantes, em momentos em que o governo Lula enfrentava dificuldades", acrescenta o tucano.

Três semanas antes, uma outra cadeia de influências - desta vez bem mais explícita - permitiu ao então ministro Palocci violar o sigilo bancário do caseiro Nildo. O conluio descia do presidente da Caixa Econômica, Jorge Mattoso, para um consultor imediato, depois uma superintendente e um gerente de agência, até chegar ao extrato - a operação só foi possível porque todos os elos da cadeia eram companheiros confiáveis.

O nome dessa prática é aparelhamento - método que o PT já usava em muitas prefeituras nos anos 90 e, a partir de 2003, introduziu nos 35 ministérios do governo Lula e em centenas de órgãos federais. "O País assiste a um grande desmonte do serviço público, principalmente na ética", define o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato. "Desta vez eles até tentaram achar alguém que assumisse a responsabilidade, em troca de dinheiro. Isso é espantoso!", acrescenta Freire. Empenhado em conter tais abusos no uso da máquina pública, o deputado pernambucano redigiu um projeto que limita a 10% dos gastos atuais os recursos a serem utilizados em cargos comissionados. "A saída é tentar controlar isso pela Lei de Responsabilidade Fiscal", afirma ele. O documento está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

O grave, lembra Virgílio, é que o aparelhamento "não tem limites", pois passa "da fidelidade política à incompetência, daí à corrupção e até ao aparelhamento policial, para impedir punições".

Exemplos disso não faltam. Um deles, envolvendo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), ocorreu no atendimento aos índios em tribos do Mato Grosso do Sul e de Roraima, no ano passado: a descoordenação entre médicos e antropólogos, entre Funasa e as ONGs, resultou em fome, epidemias e maior índice de mortes entre crianças. Isso porque "as coordenações e chefias distritais foram entregues a políticos, preocupados mais em agradar aos padrinhos do que às comunidades indígenas", afirmou o médico Paulo Daniel Morais, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Outro caso célebre, em agosto de 2003, foi a crise no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio, onde se nomeou uma diretora-executiva alheia ao assunto, Zélia Abdulmacih. Ela era prima do então presidente do Inca, ex-ministro Jamil Haddad (PSB-RJ), e mulher do presidente da Assembléia, Sami Jorge (PDT-RJ). Sem planejamento nem estoques, o caos se instalou no hospital. Doentes sofreram, diretores se demitiram e o próprio Haddad saiu. As nomeações políticas na área da saúde têm como grande patrono o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ele alterou em 2003 o decreto 3.450, que tornava obrigatória a nomeação de técnicos profissionais para os cargos de mando.

Além disso, em várias prefeituras do PT tornaram-se comuns as concorrências fraudadas, decididas por companheiros da causa petista. "Esse corporativismo impede que o poder público colha os melhores serviços", adverte o procurador do Ministério Público em Santo André, Amaro Thomé. "Ele prejudica o cidadão, pois seu objetivo é partidário e não social."