Título: MP amplia apuração sobre o Rural
Autor: Diego Escosteguy
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Nacional, p. A12

Procuradores vão analisar supostas "práticas fraudulentas" e de lavagem de dinheiro não ligadas ao mensalão

O Banco Rural afirmou, por e-mail, que jamais fez operações fraudulentas e tentou evitar que terceiros as fizessem . "Todos os mecanismos prudenciais necessários foram adotados visando evitar que terceiros pudessem usar o Rural de má-fé", informou.Apontado pela Procuradoria-Geral da República como "núcleo operacional e financeiro" da "organização criminosa" que comandou o mensalão, o Banco Rural vai sofrer uma investigação mais profunda do Ministério Público Federal. Os procuradores vão ampliar o escopo da apuração para dissecar as supostas operações de lavagem de dinheiro conduzidas com a ajuda do banco nos últimos anos - especialmente as ligadas a políticos e grandes empresas que não participaram necessariamente do valerioduto.

Até agora, o foco estava concentrado nas transações feitas pelo empresário Marcos Valério, apontado como operador do mensalão. A decisão de estender os alvos de investigação partiu do próprio procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, depois que uma investigação do Banco Central e relatórios preparados pela equipe técnica do Ministério Público mostraram que as supostas "práticas fraudulentas" e de lavagem de dinheiro no Rural vão além das operações ligadas ao mensalão.

OMISSÃO

Com base em documentos apreendidos pela Polícia Federal no Banco Rural e em comunicados de transações efetuadas com indícios de lavagem de dinheiro enviados pelo banco ao BC nos últimos três anos, as investigações dos procuradores já apontaram que a instituição foi omissa no caso dos milionários saques nas agências de publicidade de Marcos Valério e em relação a pelo menos outros 16 grandes clientes.

De acordo com as investigações dos procuradores, o Rural deixou de informar ou enviou dados incompletos ao Banco Central sobre operações financeiras com indícios de lavagem desses clientes. Pela lei, os bancos são obrigados a comunicar ao BC todas as transações que possam ter características de ocultação e dissimulação de valores, como grandes saques e depósitos em dinheiro.

IDENTIDADE

O material apreendido pela Polícia Federal inclui e-mails e fax trocados entre funcionários de Marcos Valério e gerentes do Rural. Esses documentos mostram que o banco sabia a identidade dos sacadores do mensalão. Nos comunicados ao BC, entretanto, o Rural informou apenas que os saques destinavam-se ao "pagamento de fornecedores". O Ministério Público Federal investiga se essa prática era recorrente em informes de operações suspeitas do banco.

Além de apontar a existência de comunicados intencionalmente incompletos, o relatório 195/2006, elaborado pelos técnicos do Ministério Público Federal, indica que o Rural deixou de informar "movimentações suspeitíssimas" de seus clientes, entre eles alguns parlamentares. As conclusões do relatório do Ministério Público devem-se aos documentos do Rural do tipo "conheça seu cliente", obtidos pelos procuradores.

O Estado teve acesso aos 9.702 comunicados de operações com indícios de lavagem de dinheiro que foram enviados pelo Rural ao BC nos últimos três anos, que estão sob investigação dos procuradores e fazem parte do inquérito do mensalão. Mesmo supostamente incompletos, os dados revelam a existência de vultosos saques em dinheiro vivo feitos no Banco Rural por parlamentares ou pessoas e empresas ligadas a eles. Entre as transações financeiras consideradas suspeitas pelo BC e investigadas pelo Ministério Público, o Estado descobriu saques em espécie acima de R$ 100 mil feitos diretamente ou por meio de empresas ligadas aos deputados Armando Monteiro (PTB-PE), João Lyra (PL-AL), Remi Trinta (PL-AL), Tatico (PTB-DF), Ênio Tatico (PTB-GO), Átila Lira (PSDB-PI) e Nice Lobão (PFL-MA), além dos senadores Edison Lobão (PFL-MA) e Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL).

DESDE 2003

Os comunicados do Rural começaram em julho de 2003, quando todos os bancos passaram a ser obrigados a informar automaticamente ao Banco Central qualsquer transação considerada atípica pelas diretrizes de combate à lavagem de dinheiro. Os principais casos, como demonstram os comunicados do Banco Rural, envolvem operações em espécie com valores superiores a R$ 100 mil.

O Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) também tem acesso a esse banco de dados. Mas até agora não há notícia de que tenha produzido relatórios acerca dessas transações suspeitas.

Os documentos do Ministério Público Federal e as auditorias do Banco Central estão no inquérito do mensalão, mas como extrapolaram o foco de investigação do valerioduto também foram remetidos à outra equipe de procuradores, que investiga as operações do Banco Rural em paraísos fiscais, por meio do Trade Link Bank, offshore nas Ilhas Cayman.

Por meio do procedimento interno 0501301503, o Banco Central também investiga desde fevereiro de 2005 o Rural por suspeitas de gestão fraudulenta na área de crédito.