Título: PT mantém Suplicy sob pressão
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Nacional, p. A9

Partido já especulou algumas vezes em retirar-lhe a candidatura à reeleição por causa dos seus votos na CPI

Com a candidatura em leilão, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) passou dez dias tentando marcar uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Às vésperas do fim de semana prolongado, o senador tomou um avião para São Paulo sem conseguir ser recebido pelo presidente.

O silêncio de Lula é o mais novo lance de um convívio tumultuado entre Suplicy e o governo do PT, que se interessa por seus votos mas não gosta de suas idéias nem do seu comportamento. Na segunda-feira, 10 de abril, no fim de uma viagem no avião presidencial, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), um dos mais ilustres beneficiários da pizzaria do Congresso, lançou uma idéia para engordar o palanque presidencial de Lula - a troca de Suplicy por Orestes Quércia na chapa majoritária do partido em São Paulo.

Conforme essa proposta, Suplicy, um dos mais populares políticos do PT, seria rebaixado a candidato a deputado federal, com a função de alavancar votos para eleger uma bancada que corre o risco de ser dizimada pela ressaca ética do mensalão. Em compensação, Quércia ganharia a vaga de senador.

O deputado sublinhou que tocava no assunto como uma hipótese que só poderia ser levada a sério se ganhasse apoio claro do presidente. Lula ficou em silêncio. Suplicy rejeitou a proposta na hora. Encarando Lula, disse: "Na minha opinião, a melhor forma de ajudar a sua campanha é manter minha candidatura ao Senado." O grupo se dispersou em seguida, mas as conversas paralelas prosseguiram, ainda que o próprio PMDB de Quércia seja arredio a qualquer conversação, pois enfrenta questões internas de fundo para resolver antes de responder a qualquer oferta de aliança.

A idéia do rebaixamento tem aliados em Brasília. O próprio Lula ainda não disse o que pensa. Mas a operação guarda um inconveniente eleitoral quase intransponível: a imensa popularidade de Suplicy. Ele é o preferido por mais de 40% nas pesquisas eleitorais. "O povo não entenderia", afirma Paulo Frateschi, presidente do PT paulista. "Além disso, Suplicy é um político capaz de dialogar com a classe média, o que é útil para Lula."

PRESENÇA NO PALANQUE

Nem Marta Suplicy nem Aloizio Mercadante, pré-candidatos ao governo de São Paulo, cogitam dispensar Suplicy de seus palanques. Nas plenárias feitas no Estado, onde os dois se digladiam, o nome de Suplicy é aprovado por aclamação. "Quando pergunto a eleitores se gostariam de ter outro senador, eles dizem que não", afirma. E diz que, na sua opinião, qualquer pessoa do partido pode se apresentar como candidato. "Mas acho que a única forma de resolver isso é numa prévia, em decisões tomadas democraticamente."

Aliados antigos, o presidente e o senador se afastaram pela primeira vez em 2002. Lula jamais perdoou a insistência de Suplicy em disputar uma prévia para escolher o candidato presidencial. Após a vitória na eleição de verdade, Suplicy se sentiu marginalizado das conversas para formar o novo governo, embora fosse o líder do PT no Senado e tivesse o direito de se dizer avô dos programas sociais de Lula, por causa do programa de renda mínima.

Sua situação se complicou de vez quando ele rompeu uma decisão da bancada do PT e assinou o requerimento para formar a CPI dos Correios, que abriu a temporada de investigações sobre o mensalão. Por 7 votos a 6, a bancada do PT cedera às pressões do Planalto para não assinar o requerimento. O prazo venceria à meia-noite e eram 19h20 quando Suplicy anunciou que votaria contra o partido. Adversários dizem que ele calculou o horário porque daria tempo ao Jornal Nacional de mostrar sua imagem na tribuna. O senador alega que quando se inscreveu não tinha idéia de quando iria falar.

Em função desse voto, a convivência entre Suplicy e Lula se tornou tensa e amarga. Numa conversa duríssima, Lula chegou a dizer-lhe, no ano passado, que deveria valer-se de seus talentos de boxeador amador para enfrentar os adversários na CPI dos Bingos.

Suplicy respondeu que seu estilo era diferente. Lula, obviamente, falava em termos figurados, mas a crítica prosperou. Conversando nos últimos dias com dirigentes do PT, Suplicy ouviu que o rebaixamento da sua candidatura é especulação. Mas nos diálogos houve mal-estar. Frateschi explica: "Nós queremos votar no Suplicy, mas também queremos que ele seja disciplinado e respeite as decisões tomadas pelo partido."

Quando ouve o argumento, Suplicy recorda que em 26 anos de história do PT só desobedeceu às deliberações partidárias quando votou pela CPI. "Foi para fazer essas coisas que fui convidado a entrar no PT", afirma. "Em 1979, quando o PT nem existia e denunciei um esquema malufista de compra de votos na Assembléia Legislativa, recebi apoio dos metalúrgicos do ABC que haviam me ajudado na campanha." O senador lembra que uma semana após o seu voto, a bancada do PT decidiu, por unanimidade, apoiar a formação da CPI dos Correios e das outras formadas em Brasília. "Os fatos me deram razão", diz.

DESCONVIDADO

Antes do escândalo, o PT se preparava para eleger novos dirigentes e Suplicy foi convidado para integrar a direção nacional do partido pelo então tesoureiro, Delúbio Soares, cada vez mais poderoso e menos inibido.

Depois do voto a favor da CPI, o mesmo Delúbio voltou para uma segunda conversa, na qual o convite foi retirado. Quando ele tentou se defender, Delúbio lhe disse que era perda de tempo, pois o afastamento fora "uma decisão consensual" do Campo Majoritário.

Entre pressões do Planalto e manifestações de eleitores - seu site mostra 1.891 e-mails sobre o tema -, Suplicy enfrentou outros momentos difíceis. O senador Delcídio Amaral (PT-MS) chegou a subir à tribuna para dizer que ele havia "quebrado a confiança" da bancada.

Delcídio relatou um diálogo em que Suplicy mencionou até o risco de ser impedido de concorrer ao Senado, neste mesmo pleito que hoje causa tanta confusão. "Não vou sair do partido", teria dito Suplicy, nas palavras de Delcídio. "Se quiserem, me expulsem. Se quiserem retirar minha candidatura ao Senado, será uma decisão do partido." Na semana passada, ao recordar a conversa, Suplicy esclareceu: "Eu falava em outro contexto, sobre o risco de ser punido. Não falava em não disputar o Senado, mas em respeitar minha consciência."

Na CPI, o senador atua no limite: não quer criar obstáculos às investigações nem prejuízos desnecessários ao governo. Ele votou a favor da convocação do amigo presidencial Paulo Okamotto, do compadre Roberto Teixeira e do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Também foi a favor da quebra do sigilo bancário de Okamotto.

Na quinta-feira, envergonhou até a oposição ao se lembrar de perguntar a Teixeira sobre a casa de sua propriedade na qual Lula residiu por vários anos, de graça. Mas votou contra a maioria dos pedidos de acareações, por considerar que são meros shows para a televisão.

Onze meses depois, as águas do mensalão mudaram a paisagem e algumas biografias. Colocado na presidência da CPI para fazer um serviço chapa-branca, Delcídio abandonou o roteiro original e fez um trabalho sem reparos para a oposição. Na ressaca moral do mensalão, as pressões a Suplicy constituem uma surpresa amarga.

Os adversários dizem que ele é um oportunista competente, que comete atos eleitoreiros sem perder a cara de anjo. Os aliados juram que ele é uma consciência crítica necessária ao PT. Seja como for, hoje Suplicy é um tipo raro de político do PT - pode sair às ruas sem ser constrangido pelos eleitores e ainda é saudado com palavras de estímulo.