Título: Marta resiste a rolo compressor do Planalto em favor de Mercadante
Autor: Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Nacional, p. A8

Indignada com rumores de que desistiria de disputar candidatura ao governo pelo PT, ex-prefeita prepara ofensiva

Às voltas com boatos de que renunciaria à disputa pela candidatura do PT ao governo paulista a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-prefeita Marta Suplicy mostrou as garras. Indignada, reforçou a agenda de rua até 7 de maio, quando enfrentará o senador Aloizio Mercadante na prévia do partido, e sua equipe, temerosa de que a votação seja fraudada, prepara um esquema de fiscalização especial em 150 cidades. Com a participação especial de Lula e boatos de que seriam liberados recursos federais para prefeitos, a reta final da campanha interna do PT ganhou ares de guerrilha.

"Diante desses rumores, tenho de dar uma intensificada para o pessoal perceber que não estou brincando", advertiu Marta, depois de repetir que nunca ouviu de Lula qualquer palavra desencorajadora. "Vou firme e vou ganhar", avisa ela. O Planalto nega, mas é fato que o presidente prefere a candidatura de Mercadante. Lula não vai declarar abertamente sua opinião, mas tem feito isso em encontros reservados ou conversas por telefone.

A preferência do presidente influenciou boa parte dos 57 prefeitos do PT no Estado - 55 assinaram manifesto de apoio ao senador - e foi decisiva na definição do apoio do deputado João Paulo Cunha e do prefeito de Osasco, Emídio de Souza. A região tem cerca de 15 mil filiados aptos a votar, num universo de 195 mil no Estado.

No dia 29 de março, na visita às futuras instalações da Universidade Federal de Guarulhos, Lula disse a vários prefeitos, entre eles Emídio, porque quer o senador candidato. Testemunharam a conversa os prefeitos de Diadema, Itaquaquecetuba, Guarulhos e Ferraz de Vasconcelos, entre outros.

"O presidente disse que Mercadante não tinha telhado de vidro, ao contrário da Marta, que enfrenta os processos normais de quem já esteve no Executivo. Além disso, não tem rejeição", contou uma testemunha. Lula, que intensificou as viagens a São Paulo e circula sempre com Mercadante, também teria mencionado a maior "bagagem" do senador para defender seu governo. A reeleição do presidente, dizem petistas de todas as correntes, é a prioridade máxima.

Em Guarulhos, Lula pediu empenho do ministro da Educação, Fernando Haddad, para acelerar a instalação de uma universidade federal em Osasco. No mesmo dia em que anunciou a opção em favor de Mercadante, 12 de abril, João Paulo apresentou projeto de lei propondo a criação da universidade, antiga reivindicação da região. No início daquela semana, ele comunicou a Marta sua decisão e a atribuiu à pressão dos prefeitos, dos quais precisa para garantir a própria reeleição.

FONTE

"As prefeituras do PT são boicotadas pelo governo de São Paulo e a única fonte extra de recursos é o governo federal", resumiu um integrante do comando da campanha de Mercadante. "É claro que os prefeitos querem estar bem com o Lula." E têm pressa, uma vez que são proibidas as transferências voluntárias de recursos nos três meses anteriores ao pleito, exceto para "cumprir obrigação formal preexistente" ou situações de calamidade. Aliados de Marta têm certeza de que se o dinheiro do governo federal ainda não saiu, sairá logo.

"A Universidade em Osasco é uma bandeira antiga", reagiu Mercadante. "A orientação do presidente na relação do governo federal com as prefeituras é republicana. Não existe favorecimento." Marta disse não ter "a menor idéia" se a decisão de João Paulo teve o dedo de Lula. "Mas acho que não, o João Paulo avaliou pessoalmente suas perspectivas e teve de tomar sua decisão."

Embora não faça ataques diretos ao senador, ela deixa claro seu descontentamento. Seu grupo adotou o discurso de que a candidatura de Mercadante representa a cúpula do partido, e a dela, a base. Ambos acreditam na vitória, mas admitem que o resultado é imprevisível. "Os apoios mostram a vitalidade que vem da base", afirmou o senador, à frente de uma ampla lista de prefeitos, parlamentares e dirigentes.

Correligionários de Marta se dizem preocupados com a prévia em pequenas cidades do interior, onde o quórum ficou acima da média na última eleição interna, em setembro, e um candidato foi beneficiado. "Tivemos notícia de dirigentes que levaram urnas às casas dos militantes e passaram a lista de assinaturas antes da votação", contou um aliado da ex-prefeita.

Em Pracinha, 32 petistas estavam aptos a votar. Todos votaram, e em Paulo Frateschi, presidente do PT-SP, aliado de Mercadante. Na Alta Paulista, o fenômeno ocorreu em mais três cidades e se repetiu em outras regiões. "Podemos perder até 3 mil votos com esse problema", disse um coordenador da campanha da ex-prefeita.

O diretório estadual eliminou a obrigatoriedade de o filiado quitar sua anuidade com o partido para poder votar na prévia. Justamente para desestimular irregularidades, como a compra de votos.

"Essas suspeitas são totalmente absurdas. Tive votação ampla em vários lugares em função do trabalho e da campanha", disse Frateschi, revoltado com o que chama de "udenistas do PT". "Trabalhamos para harmonizar o processo e para que o vencedor tenha legitimidade." Na eleição de setembro, na capital, aliados de Marta foram o principal alvo de denúncias de fraude.