Título: "Eu não existo mais no País politicamente", diz petista
Autor: Vera Rosa, Wilson Tosta
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Nacional, p. A6

Em tom de amargura, Dirceu nega suas incursões na cena política e reclama da invasão de sua privacidade

A José Dirceu Associados é uma empresa reaberta recentemente pelo ex-ministro da Casa Civil para comercializar suas consultorias e palestras. Ainda não tem sede montada, mas já gasta como uma grande firma. Foi ela que alugou o jatinho Citation 500, prefixo PT-WBY, usado para levar Dirceu para Juiz de Fora - onde ele se encontrou no dia 12 com o ex-presidente Itamar Franco - e Belo Horizonte.

Nota fiscal emitida pela Sul América Táxi Aéreo mostra que a viagem custou à nova empresa a importância de R$ 14,5 mil.

O responsável jurídico da Sul América, Marcelo de Oliveira, confirma que o avião foi alugado e pago pelo escritório de Dirceu. Paulo Walter Leme dos Santos, proprietário do avião, nega qualquer relação com o ex-ministro e com o PT. Diz que só conhecia Dirceu pela televisão. Empresário de Sorocaba, Santos comprou a aeronave há pouco tempo e afirma ser simpatizante do PSDB. RICARDO BRANDT"Eu não existo mais politicamente no País." Foi assim, em tom de amargura, que o ex-ministro José Dirceu definiu sua situação quando questionado sobre a maratona de conversas mantidas por ele com partidos da base governista.

Desde que foi flagrado numa reunião reservada com Itamar Franco em Juiz de Fora, justamente no dia em que o ex-presidente lançou sua candidatura à sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva, Dirceu tenta fugir dos holofotes. O ex-guerrilheiro vestiu o figurino do cidadão comum e reclama da invasão de sua privacidade. "Preciso sustentar meus filhos, minha família, pagar minhas contas. Não querem me deixar trabalhar", disse ele ao Estado.

Apesar das evidências de suas articulações no mundo político, Dirceu nega tudo. Mais: jura de pé junto que não fala em nome de Lula nem do PT e que está "quieto" no seu canto. "Não estou fazendo política. Advogo, dou consultoria, faço palestras. Não tenho delegação do PT nem do presidente Lula para nada. Estou fora", afirmou.

BOLÍVIA

Dirceu mal desfez as malas da viagem à Venezuela e seus amigos dizem que ele também esteve na Bolívia, onde teria se encontrado com o presidente Evo Morales. Ele nega. Brasil e Bolívia negociam a regulamentação da lei que nacionalizou as reservas de gás boliviano e pode prejudicar os investimentos da Petrobrás.

Mas qual o motivo da viagem a Caracas? "Trabalhar, rever amigos", desconversou o ex-chefe da Casa Civil, fazendo mistério. Sob a alegação de que não é mais ministro nem deputado, Dirceu mostra contrariedade com o "cerco" à sua volta.

"Daqui a pouco não vou poder mais ir ao shopping nem a um restaurante e minha sócia (a advogada Lilian Ribeiro, com quem ele vai dividir um escritório na Vila Mariana, em São Paulo), não vai querer mais ser minha sócia", protestou.

Lilian já trabalhou com Dirceu, de 1994 a 1998. "Só terminamos a sociedade, naquela época, porque o Zé foi ser deputado", contou. Ela lamenta que a imagem de Dirceu chame tanto a atenção. "É ruim, corremos o risco de trazer um prejuízo desnecessário aos clientes. Lá no escritório não tem nenhuma atividade política. Zero."

A polêmica em torno do custo do avião fretado que levou Dirceu a Juiz de Fora é outro assunto irritante para o ex-ministro. "Se eu fui (de jatinho), é porque podia. Eu não sou incompetente", insistiu.

Dirceu não se cansa de repetir que existe "muita invenção" em torno dele. "Virei um personagem", afirmou. " Não fui à Bahia e nem à Paraíba, mas dizem que eu fui. Em Santa Catarina, fui apenas fazer uma palestra na Federação do Comércio. Não tem nada de política."

Na Paraíba e em Santa Catarina, o PT tenta convencer seus candidatos a desistirem da disputa para acomodar o PMDB, que só assim dará palanque a Lula. Mas a missão é difícil. Embora Dirceu negue as articulações, antes de ser cassado ele próprio avisou: "Nunca vou sair da política. Só se me matarem."