Título: Dirceu articula apoios para reeleição de Lula
Autor: Vera Rosa, Wilson Tosta
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2006, Nacional, p. A6

Ex-ministro já fez várias reuniões com parlamentares e ex-colegas de Esplanada e cumpre roteiros misteriosos no Brasil e no exterior

A primeira coisa que o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu fez ao ser denunciado como "chefe" de uma quadrilha organizada no coração do governo pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, foi procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dirceu estava furioso e disse a Lula que vai se defender não só na Justiça, mas publicamente.

Diante do desabafo, o único pedido de Lula a seu ex-ministro da Casa Civil foi para que ele não expusesse o governo. Desde novembro, quando perdeu o mandato e o direito de se candidatar até 2015, José Dirceu não parou de falar com Lula nem de fazer articulações políticas. Mas congelou o plano de lançar um livro sobre os bastidores do Palácio do Planalto.

Ele voltou há poucos dias da Venezuela, onde diz ter estado para trabalhar e rever amigos. Além das excursões domésticas que faz para verificar como anda a campanha à reeleição de Lula nos Estados, em quatro meses e meio Dirceu já visitou duas vezes a Venezuela. Em pelo menos uma delas encontrou-se com o presidente Hugo Chávez, que jantou com Lula na noite de quinta-feira. Cuba, Espanha, Argentina e Estados Unidos completam a lista dos roteiros internacionais do ex-chefe da Casa Civil desde a cassação.

NO HOTEL

A agenda de Dirceu continua muito carregada, como se ainda fosse ministro. No fim de março, por exemplo, ele se reuniu num único dia com 20 deputados federais e conversou com pelo menos três ministros, num hotel de Brasília. Era tanta gente no recinto que havia uma espécie de "coordenador" da agenda, conferindo os horários marcados.

O líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE), estava lá. "Dirceu queria saber se dava para nos juntarmos em Pernambuco", diz Múcio, numa referência à divisão da base aliada. Há no Estado três candidatos de partidos que integram a frente de sustentação do governo: Humberto Costa (PT), Eduardo Campos (PSB) e Armando Monteiro (PTB).

Múcio respondeu a Dirceu que o PT e o PTB poderiam se unir no segundo turno da disputa, mas não agora. O partido do ex-deputado Roberto Jefferson - autor das denúncias do mensalão - também não casará de papel passado com Lula na campanha presidencial.

Preocupado com a pulverização dos aliados e, principalmente, do PMDB - sigla que ameaça se perfilar ao lado dos tucanos em palanques importantes, como o de São Paulo -, Lula acionou Dirceu, que coordenou sua campanha em 2002 e tem o mapa das negociações na cabeça.

Embora todos os lados neguem oficialmente essa operação, o retorno do ex-chefe da Casa Civil à cena política ficou evidente há 12 dias, quando ele apareceu em Juiz de Fora (MG), a bordo de um avião fretado - uma viagem até hoje misteriosa. Foi justamente no dia em que Itamar Franco anunciou sua candidatura à sucessão de Lula pelo PMDB, deixando perplexo o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, o outro postulante à vaga.

"É uma candidatura patrocinada por José Dirceu, o chefe do mensalão", reage Garotinho. Mineiro, Dirceu desmente que tenha planejado a "operação Itamar" com o presidente do PMDB paulista, Orestes Quércia. "Você acha que é bom para o PT e para o Lula o Itamar ser candidato a presidente?", pergunta o ex-ministro que, desde o início do ano, esteve três vezes em Juiz de Fora.

QUINTAL

Itamar também nega que tenha participado de uma trama ardilosa com o Planalto. "Eu não vou ser vice do Lula nem de ninguém", diz o ex-presidente. "Dirceu já foi várias vezes em minha casa e meus amigos entram pela porta da frente. Mas só faltaram dizer que o jatinho dele desceu no meu quintal."

Dirceu conversou, ainda, com o governador do Paraná, Roberto Requião, há cerca de um mês e meio. Das fileiras peemedebistas, Requião está contrariado com o PT e chegou a dizer que fecharia aliança com o PSDB, deixando Lula sem palanque. O ex-chefe da Casa Civil também tem como interlocutores os senadores José Sarney (PMDB-AP), Roseana Sarney (PFL-MA) e Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), com quem jantou recentemente.

"Dizem que o Zé Dirceu esteve na Bahia articulando apoios para Lula, mas, se ele foi, passou incógnito, porque ninguém viu", afirma ACM.

Numa cantina italiana de Brasília, porém, Dirceu não passou despercebido. No início deste mês, almoçou com Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais e seu desafeto no PT.

"Eu disse ao Zé Dirceu que ele tem o direito de se mover politicamente, porque a morte civil não chegou no Brasil ainda", provoca Tarso. "A conversa não alterou em nada nossas divergências. Trocamos idéias sobre o País, o PT e as eleições e o governo vê com naturalidade os seus movimentos."

Cotado para vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB) ao Planalto, o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), não deixa por menos: "Dirceu é o coordenador informal da campanha do Lula, isso sim."

Desde o início do ano, o ex-ministro intensificou sua movimentação no PT, tanto em eventos públicos do partido que presidiu de 1995 a 2002 como em reuniões reservadas. Nas plenárias com militantes, anuncia a próxima missão: reunir 1 milhão de assinaturas para tentar anabolizar projeto de lei pedindo sua anistia política ao Congresso, a partir de 2007, quando baixar a poeira da crise.

"Quem está na luta nunca cai deitado. Cai de pé", resume a deputada Luci Choinacki (PT-SC), que em fevereiro promoveu uma plenária de seu mandato, estrelada por Dirceu. Realizado em Chapecó, o encontro virou uma pajelança petista em torno do ex-todo-poderoso ministro, que fez palestra e respondeu a perguntas. "Há cassações e cassações. Algumas com provas, outras apenas políticas, como a dele", comenta Luci.

A obsessão de Dirceu é voltar à cena nos braços do povo. Ele já perdeu uma batalha no Supremo Tribunal Federal e, no caso da anistia, a história é ainda mais complicada. Motivo: além de passar pelo crivo do Congresso, o perdão precisa ser sancionado pelo próprio presidente.