Título: Siderúrgica já começa a fazer as malas
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2006, Economia & Negócios, p. B1,3,4

Bolivianos da região não crêem no que enfrentam e se preparam para tempos difíceis

Expulsa por Evo Morales e alheia ao desejo expropriador do governo, a siderúrgica de capital brasileiro EBX já começou a preparar sua saída da Bolívia. A desmontagem dos fornos siderúrgicos construídos para produzir 800 mil toneladas de ferro gusa deve começar até o fim desta semana.

Os 700 funcionários das empreiteiras, que ainda trabalham na unidade, começaram a ser informados sobre a demissão. Mesmo no dia da comunicação oficial da decisão de desistir do empreendimento, os funcionários ainda montavam equipamentos para o forno dois.

A reportagem do Estado, que visitou a unidade no dia do anúncio da saída do país, não teve autorização para falar com os trabalhadores bolivianos. A empresa ainda faria uma comunicação oficial às empreiteiras e posteriormente aos funcionários. Queriam evitar a acusação de que a EBX tem estimulado a "divisão da Bolívia".

LAMENTOS Com olhos marejados, um dos gerentes da unidade, de origem boliviana, lamentava o ineditismo do episódio. Terá de coordenar em poucos dias a desmontagem de uma unidade industrial que nem pronta ficou e que trouxe vigor novo a uma região castigada pela falta de empregos e por uma situação social precária. Por mês, os salários pagos pela empresa brasileira injetada na economia local cerca de 2 milhões de bolivianos ou US$ 250 mil, valor que deu ânimo ao modesto comércio local. "É inacreditável o que se passa neste momento", disse o gerente da unidade.

Decepção idêntica poderia ser vista na pequena cidade de Puerto Suárez. Lígia Aguillera, dona de um ponto na principal rua comercial da cidade, era o retrato da indignação. A mesma indignação que na semana anterior levou os civis às ruas. Lígia vendia muito para os funcionários da EBX. Desde maio do ano passado, aceitou até mesmo vender fiado, apenas para os trabalhadores da siderúrgica. Nunca havia pensado nisso, mas descobriu que vendia mais e tinha a garantia do pagamento. Bons tempos. A saída da empresa brasileira acaba com a opção comercial de Lígia.

Ela acha que a possibilidade de progredir agora ficou mais remota. É comerciante há 10 anos, sempre no mesmo espaço quente e mal dividido na rua central do comércio da cidade de Puerto Suárez.

Os empregos, tão escassos por aquelas bandas, não existirão mais. Exceto os de sempre: trabalho sem qualificação, os conhecidos "bicos". Mas destes, a região anda saturada. Quatro empresas que viriam com a EBX desistiram.

Elizabeth Zapata Antezana, jornalista da província, que acompanhou o empreendimento desde o início bem que tentou, mas dos olhos brotaram lágrimas demais. Liz, como a radialista é conhecida, chorou ao saber da desistência. Um choro de desabafo e de raiva. "O que estão fazendo com a Bolívia? Estão destruindo as esperanças de muita gente. Para quê? Por revanche política?", pergunta da jornalista.