Título: Dalai Lama esbanja bom humor em São Paulo
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2006, Vida&, p. A18

Líder tibetano só mudou tom quando comentou tentativas de criação de um 'novo budismo'

O Dalai Lama, principal líder espiritual do budismo, chegou ontem a São Paulo. Deu a primeira entrevista no País à tarde, momentos depois de passar 20 horas no avião que o trouxe da Índia - aos 70 anos e sem o mínimo sinal de cansaço. Ao lado dos recorrentes ensinamentos sobre paz, valores humanos e harmonia entre as religiões, o que mais se ouviu dele foram risadas.

Riu do intérprete brasileiro que se perdeu na tradução. Riu dos gravadores na mesa à sua frente quando ele próprio, chamado de "sua santidade", se viu obrigado a virar as fitas. Riu quando consultou o monge que o acompanhava à procura de uma palavra em inglês. Riu do celular que quebrou o silêncio quando respondia a uma das perguntas. E riu ao perceber que se expressaria melhor em tibetano do que em seu inglês.

"Vim ao Brasil por dois motivos. Em primeiro lugar, para falar sobre os valores humanos. Em segundo lugar, para defender a paz entre as religiões", afirmou ele, que é considerado uma das encarnações de Buda. E, para quebrar o ar solene, arrematou: "E vim ainda por outro motivo: porque me convidaram".

Coincidentemente, as viagens do Dalai Lama ao País têm ocorrido a cada sete anos - as primeiras foram em 1992 e 1999. Ele passa boa parte do ano em turnê mundial ensinando sua filosofia. Na entrevista em São Paulo, fez questão de deixar claro que o objetivo não é converter ninguém ao budismo. "Admiro as diferentes filosofias porque todas têm a mesma mensagem: o amor."

O bem-humorado Dalai Lama só quebrou o tom paz-e-amor ao falar de pessoas que pretendem criar um "novo budismo". "Não dá para pegar um pouco daqui e um pouco dali e jogar tudo no liquidificador", disse, com gestos de quem escolhe produtos numa prateleira de supermercado. "É um erro. Você pode pegar o melhor de cada fé, mas deve seguir uma tradição autêntica."

O Dalai Lama é o líder espiritual em exílio do povo tibetano. Fugiu para a Índia em 1959, depois que a China comunista assumiu o controle do Tibete. Questionado sobre o fato de o governo chinês negar a autonomia tibetana, preferiu não polemizar: "Não vim tratar de temas políticos".

O religioso fica no País até domingo. Suas palestras estão esgotadas - os ingressos custam até R$ 120. Hoje vai ao templo Zu Lai, em Cotia, Grande São Paulo.