Título: Investigação sobre o desastre começa com 20 anos de atraso
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2006, Vida&, p. A16

Duas décadas após explosão, Ucrânia não sabe ao certo o que aconteceu

Enquanto centenas de pessoas depositavam flores e velas ontem por toda a Ucrânia para lembrar as vítimas do acidente nuclear de Chernobyl, o governo de Kiev prometia apurar e revelar toda a verdade sobre o pior desastre atômico da humanidade. Ontem, durante os eventos que marcaram os 20 anos do desastre, Kiev ainda publicou um relatório mostrando que as condições de saúde de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas por Chernobyl.

No dia 26 de abril de 1986, o reator número 4 da usina explodiu. Na época, o governo soviético levou mais de 24 horas para evacuar a região e outros dois dias para admitir o desastre ao mundo. Além disso, não informou a população sobre como deveria agir e ainda enviou centenas de soldados, policiais e bombeiros à região para apagar o fogo, sem proteção.

A Ucrânia, hoje um país independente, não tem a quem responsabilizar. O país nem sequer existia naquela época (era república soviética) e o regime de então desapareceu em 1991.

O que as autoridades prometem, porém, é descobrir o que de fato ocorreu. O presidente ucraniano Viktor Yushchenko foi ontem até Chernobyl e entregou medalhas aos trabalhadores que atuaram para apagar o fogo da usina e construir a estrutura que cobre o material radioativo. "Chernobyl não pode ser um local de luto, precisa se tornar um local de esperança. Depois de 20 anos de dor e medo, essa terra precisa sentir o progresso", disse o presidente, falando para as centenas de pessoas que foram até Chernobyl ontem e prometendo "as verdades" sobre o que ocorreu.

"Fizemos o que teve de ser feito", afirmou ao Estado o general da reserva Wolk Anatoly Antonovich. Em 1986, o militar foi um dos coronéis responsáveis por coordenar a limpeza do reator. "As famílias das vítimas precisam estar orgulhosas do trabalho que foi feito e que salvou vidas de milhares", disse, preferindo não responder às críticas de que o regime soviético escondeu informações.

BALANÇO DA TRAGÉDIA

O Ministério da Saúde da Ucrânia anunciou ontem que 2,3 milhões de pessoas em 8 cidades e espalhadas por 2,1 mil vilarejos no país de alguma forma sofreram ou ainda sofrerão problemas de saúde como conseqüência da explosão. Para a ONU, o número de mortos não passa de 9 mil, enquanto ativistas colocaram as vítimas fatais entre 30 mil e 90 mil.

Enquanto espera respostas, a população ontem saiu às ruas e lotou igrejas. Na única capela ainda em funcionamento em Chernobyl, parentes das vítimas e ex-moradores participaram de uma cerimônia. Em uma atmosfera de emoção, as pessoas se abraçavam e antigos vizinhos se reencontravam. Vigílias foram organizadas nas cidades de Kiev e Slavutych, onde grande parte dos "refugiados de Chernobyl" foi viver depois do acidente.

O papa Bento XVI rezou ontem pelas vítimas na Praça de São Pedro, no Vaticano. Ele pediu que a energia nuclear fosse usada "a serviço da paz".

Ativistas ainda aproveitaram a data para pedir o fim das construções de usinas nucleares em todo o mundo. Mohamed El Baradei, chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, também alertou ontem que a data deveria servir para que o mundo adotasse uma mesma estratégia de segurança em relação à energia nuclear, especialmente os países que planejam novos reatores, como a própria Ucrânia.