Título: Cai concentração de renda no Brasil, mostra Bird
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/04/2006, Nacional, p. A8

Desigualdade reduz-se desde 1989, depois de ter subido por nove anos

A desigualdade no Brasil está caindo desde 1989, depois de ter subido fortemente entre 1981 e 1989. O índice de Gini, que mede a distribuição de renda, variando de um mínimo de desigualdade (índice zero) a um máximo de desigualdade (índice 1), subiu no País de 0,574 em 1981 para 0,625 em 1989. Em 2004, o Gini já havia recuado de novo para 0,564.

No recente estudo "Ascensão e Queda da Desigualdade Brasileira: 1981-2004", publicado pelo Banco Mundial, os economistas Francisco Ferreira, Phillippe Leite e Julie Litchfield indicam que as razões principais para a piora da distribuição de renda na década de 80 devem ter sido a aceleração inflacionária e o aumento da diferença entre os salários recebidos pelas pessoas mais e menos instruídas. O trabalho se baseia na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada anualmente no Brasil.

Já no período recente de melhora, que ocorreu de forma mais regular a partir de 1993, as razões mais prováveis são o fim da hiperinflação, a redução dos diferenciais de salários entre pessoas mais e menos instruídas, a convergência de renda entre o campo e a cidade, a diminuição das diferenças entre as raças e o aumento dos programas de transferência de renda.

A desigualdade brasileira teve queda de 13% entre 1993 e 2004. Segundo o estudo, 5,3 pontos porcentuais podem ser atribuídos à redução das diferenças de salários entre os mais e menos educados, 3 pontos à redução de diferenças raciais, e 3 pontos à menor diferença de renda entre população urbana e rural. Os porcentuais não são cumulativos - a redução, por exemplo, da diferença de renda entre mais e menos educados pode explicar também parte da diminuição da desigualdade entre brancos e negros.

No fim dos anos 80, observam os autores do estudo, a desigualdade brasileira, no seu pico de 0,625, era a segunda pior do mundo numa lista de países elaborada pelo Banco Mundial, só perdendo para a de Serra Leoa (0,629). Em 2004, a posição do Brasil já era melhor, embora ainda muito ruim - o décimo país mais desigual do mundo.

MODESTO

O estudo deixa claro que o avanço social do Brasil na década de 90, embora positivo, está longe de ser espetacular. O número de pobres brasileiros, de acordo com a linha de pobreza do Bolsa Família, caiu de 29,6% em 1981 para 22,2% em 2004, uma queda de 25%. Em comparação, escrevem os autores, a Tailândia reduziu a pobreza em 62%, de 41,8% da população para 15,7%, entre 1975 e 1992. E a Indonésia teve uma redução maior, de 82%, com o número de pobres caindo de 64,3% em 1975 para 11,4% em 1995.

O trabalho nota que a pobreza brasileira estava mais alta em 1993 (32,6%) do que em 1981 (29,6%), " indicando que, pelo menos em termos da redução da pobreza, os anos 80 foram realmente uma década perdida no Brasil". Dessa forma, continua o estudo, "toda a redução de pobreza entre 1981 e 2004 foi obtida entre 1993 e 2004, um período marcado pela restauração da estabilidade macroeconômica, alguma modesta volta do crescimento e declínios sustentados - mesmo que não espetaculares - da desigualdade".

Os autores concluem, ao processar os dados da PNAD com técnicas estatísticas, que "o determinante mais importante da desigualdade total é o nível educacional do chefe de família". Estimam que esse fator responda por 34% a 42% das diferenças na distribuição de renda no Brasil e seja 3 vezes mais importante do que qualquer outro.

Ainda assim, notam eles, é preciso cautela em atribuir causalidade à educação ou qualquer outro fator explicativo da desigualdade, já que freqüentemente causas e conseqüências se misturam. Se, por um lado, melhor educação tende a trazer maiores salários, os grupos mais ricos têm melhores condições de educar suas crianças.

O trabalho observa que, mesmo que as diferenças de educação ainda sejam muito importantes para explicar a desigualdade no Brasil, respondendo por aproximadamente um terço dela, há indicações de que esse fator pode ter perdido força ao longo dos últimos 23 anos.

Para o economista André Urani, diretor-executivo do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), o fato de que a melhora da desigualdade tenha atravessado os mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva mostra que "o Brasil está aprendendo que algumas coisas são indiscutíveis, como a estabilidade macroeconômica e as políticas sociais".