Título: Carnaval argentino contra fábricas
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2006, Economia & Negócios, p. B5

Hoje, ao longo do dia, boa parte da população de Gualeguaychú, cidade da Província de Entre Ríos, marchará pelas avenidas de Buenos Aires em protesto contra a instalação de duas fábricas de celulose sobre o Rio Uruguai, no município uruguaio de Fray Bentos. O que vai diferenciar a manifestação de outras que se realizam na capital argentina é que esta estará embalada por batucadas e passistas do carnaval gualeguaychense, considerado o principal deste país. As fábricas, centro da maior crise diplomática entre a Argentina e o Uruguai desde 1955, envolvem investimento de US$ 1,8 bilhão e prometem ser o primeiro passo para transformar o território uruguaio em um dos principais centros mundiais de produção de celulose.

Os argentinos da área da fronteira, respaldados pelo governo do presidente Néstor Kirchner, opõem-se às fábricas, alegando que prejudicarão o ambiente, acabarão com o turismo regional, a agricultura e a piscicultura, aumentando o desemprego do lado argentino.

O protesto carnavalesco fez sucesso na última sexta-feira em Viena, quando a morena Evangelina Carrozzo - rainha do carnaval deste ano de Gualeguaychú - desfilou um biquíni de lantejoulas para boquiabertos presidentes que participavam da cúpula de países latino-americanos, caribenhos e europeus. Evangelina levava um cartaz do Greenpeace, com os dizeres "não às fábricas de celulose que poluem".

O protesto foi notícia em todo o planeta. Para aproveitar a notoriedade - e também porque nos próximos dias a Corte Internacional de Haia analisará o processo movido por Kirchner contra o Estado uruguaio -, os habitantes de Gualeguaychú, liderados por uma combativa Assembléia Popular, realizarão a manifestação em Buenos Aires na frente das embaixadas dos países envolvidos na Guerra da Celulose: Finlândia, da empresa Botnia, e Espanha, da Ence.

"Queremos que isto tenha repercussão na Europa. Estas fábricas não podem ser instaladas aqui. Essa denúncia tem de ser ouvida pelos europeus", explicou Oscar Bargas, um dos líderes da Assembléia.

Os manifestantes também planejam passar na frente da Embaixada do Uruguai, com Evangelina comandando os protestos.

Nos últimos meses, os protestos se reduziam aos piquetes que bloquearam estradas. Durante quase 60 dias duas das três pontes que ligam os dois países ficaram fechadas, causando prejuízos superiores a US$ 350 milhões.

O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, afirma que as fábricas não poluirão o rio, porque têm tecnologia de ponta. Além disso,trata-se do maior investimento da história do Uruguai, equivalente a 13% do PIB do país.

O braço direito do presidente argentino na Câmara de Deputados, José María Díaz Bancalari, disse que o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, garantiu a Kirchner que as obras da Ence "não avançarão" enquanto não for "perfeitamente" apresentado um "estudo rigoroso" sobre o impacto ambiental da fábrica na região. Segundo Bancalari, a intervenção da Rainha do Carnaval teve "bons" efeitos perante os líderes mundiais em Viena.