Título: Múltis brasileiras encaram a dura vida de cruzar a fronteira
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2006, Economia & Negócios, p. B16

Caso da EBX, expulsa pelo governo Evo Morales, mostra o risco de operar em outro país

"Ir aonde ninguém vai". O lema custou caro ao Grupo EBX, que teve a ousadia de abrir uma empresa no interior da Bolívia. O presidente boliviano, Evo Morales, acaba de lembrar às companhias brasileiras com aspirações multinacionais que os projetos de internacionalização são repletos não só de grandes oportunidades, mas também d e novos riscos. Com a saída da Bolívia, a EBX vai perder pelo menos US$ 20 milhões. O prejuízo pode aumentar, principalmente se Morales cumprir o que disse: expropriar os ativos da companhia brasileira.

A Petrobrás, outra empresa com negócios na Bolívia, também enfrenta problemas com o novo governo. Acusada de imperialista, a empresa pode converter-se de exploradora e produtora de petróleo e gás a mera prestadora de serviços. A Petrobrás investiu US$ 1,5 bilhão no país vizinho e aguarda para as próximas semanas o decreto de nacionalização dos poços que desenvolveu. Saberá se colocará sua história na Bolívia na lista de erros internacionais.

Os exemplos da EBX e da Petrobrás mostram uma mudança na vida das empresas brasileiras. Desde que começaram a abrir filiais ou comprar concorrentes no exterior, as companhias brasileiras estão tendo de lidar com culturas diferentes, jogos políticos regionais e até com a resistência ao estilo de trabalho dos brasileiros.

O caso da EBX é revelador. O novo governo da Bolívia, de esquerda, surgiu nos conflitos recentes que tomaram conta do país e derrubaram dois presidentes. "É um típico erro de empresas que não atentam para a cultura local, para as condições sociais e políticas, além das oportunidades de negócio", diz David Travesso, professor e consultor da Fundação Dom Cabral, instituição que estuda a tendência de internacionalização das empresas brasileiras.

Um número cada vez maior de empresas está tendo de aprender, na prática, a lidar com essas questões. A presença das companhias brasileiras no exterior tem crescido. Em 2002, o investimento em outros países foi de US$ 2,5 bilhões. Em 2004, chegou a US$ 4,5 bilhões. Em cada país, as empresas estão descobrindo os desafios de virar multinacional.

A Odebrecht construiu uma usina hidrelétrica em Angola em meio a uma guerra civil. A Gerdau avançou na América do Norte, mas enfrentou problemas com o maior sindicato dos trabalhadores dos Estados Unidos. Na China, a WEG teve dificuldades em conseguir mão-de-obra que conhecesse, ao mesmo tempo, as culturas brasileira e chinesa.

Mesmo diante de novos riscos, as companhias têm tido bons resultados, o que explica o interesse de avançar no exterior. Cerca de 38% das receitas da WEG vêm de fora. Na Gerdau, cerca de metade das receitas vem do exterior.

AVANÇO TARDIO A experiência de enfrentar oposições locais, de sindicatos ou de ambientalistas, é nova para as empresas brasileiras. "Somos aprendizes neste jogo", diz Maria Tereza Fleury, professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (Fea-USP).

O "avanço tardio" do Brasil no exterior é, aliás, o maior problema. Segundo Maria Tereza, por ter entrado tarde demais neste jogo, as múltis brasileiras sabem que o velho modelo adotado por transnacionais que operam no Brasil não funciona.

"Quando as companhias dos países ricos iniciaram a investida em várias partes do mundo, a situação global era muito diferente. A concorrência agora é muito maior", afirma Travesso, da Fundação Dom Cabral.

Falta ainda, diz ele, formação de executivos brasileiros para levar empresas locais ao exterior. E só agora a formação começa a ganhar algum status acadêmico.

"Começa a mudar esta situação, mas até agora, foi na base do suor e da lágrima", ironiza Travesso. Um dos problemas é a ânsia da brevidade. Um projeto de internacionalização não tem retorno antes de sete anos. Custa muito caro e os riscos, às vezes, podem inviabilizar o negócio. Só a expatriação de um executivo (preparado para entender o novo ambiente) custa três vezes mais. É uma aposta alta e incerta.