Título: Costa ataca europeus e diz que oferta por TV digital é "blefe"
Autor: Gerusa Marques
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2006, Economia & Negócios, p. B16

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, renovou sua bateria de ataques aos defensores do padrão europeu de TV Digital, ontem, durante debate na Câmara dos Deputados. Ele criticou a proposta da União Européia de aumentar a importação de etanol do Brasil, caso o governo brasileiro opte pelo padrão de TV digital da Europa.

"Quem quiser colocar TV Digital aqui não adianta dizer que vai comprar banana e álcool", disse o ministro, na abertura do seminário TV Digital: Futuro e Cidadania. O ministro disse que é necessário que os detentores dos padrões de TV digital se comprometam com a absorção de tecnologias já desenvolvidas no País. O ministro lembrou que os japoneses já fizeram esse compromisso, quando assinaram com o governo brasileiro um memorando de entendimentos, no mês passado, em Tókio.

Hélio Costa participou do seminário recorrendo ao seu currículo na área de rádio e televisão para validar suas opiniões em apoio à escolha do padrão japonês. "Sou profissional do setor e estou ministro", afirmou em resposta às críticas de que defende as emissoras de TV, e consequentemente, o padrão japonês, preferido pelos radiodifusores.

"Não vou passar pelo Ministério das Comunicações sendo responsável pela destruição da TV brasileira. Isso o ministro não vai fazer. Não vou entregar a radiodifusão nas mãos de empresas internacionais", disse.

A implantação do padrão europeu é apoiada pelas operadoras de telefonia que atuam no País e que são, em sua maioria, empresas multinacionais. No modelo europeu, várias funções da TV digital dependeriam das redes das telefônicas, como a interatividade, que permite que o telespectador se comunique com a emissora, por exemplo.

Costa disse que seria necessário criar uma nova lei para permitir que empresas estrangeiras atuem na radiodifusão. "Se nós tivermos que entregar todo o sistema para as companhias telefônicas, evidentemente que teremos que fazer uma outra lei".

Desde o início das discussões, o ministro vem batendo de frente com os representantes do padrão europeu. Ele qualificou como "blefe" as ofertas da União Européia apresentadas como contrapartidas para a adoção do padrão europeu e desestimulou a ida de ministros brasileiros à Europa. Por outro lado, se empenhou pessoalmente para que uma delegação brasileira fosse, em abril, ao Japão.

AUSÊNCIAS Costa foi o único ministro a comparecer ontem ao seminário da Câmara, embora os ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Cultura, Gilberto Gil, também estivessem convidados. A ausência dos outros ministros surpreendeu os parlamentares, que a consideraram como um boicote do governo, que tem concentrado no Palácio do Planalto as discussões sobre a escolha do padrão de TV digital.

O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), disse que somente ontem pela manhã, antes do início do seminário, a Câmara foi avisada de que os outros ministros não participariam do encontro. "Isso tira um pouco o brilho do seminário. Seria muito importante que nós tivéssemos a visão do poder Executivo", lamentou. O ministro Hélio Costa defendeu o governo. O presidente Lula havia determinado, semanas atrás, que, enquanto não fosse anunciado o padrão de TV digital a ser adotado no País, somente o Ministério das Comunicações falaria em nome do governo. "E eu fiz questão de estar aqui", afirmou.

Numa atitude que expôs os interesses políticos envolvidos na escolha do padrão que será usado no Brasil, a Anatel, a pedido de Costa, impediu a Câmara dos Deputados de fazer uma transmissão usando as três tecnologias digitais em estudo: a japonesa, a americana e a européia. A transmissão seria uma atividade paralela ao seminário.

A intervenção de Costa frustrou os representantes do padrão europeu de TV digital, que tinham preparado uma demonstração dos produtos. "Ficamos surpresos e indignados. Nossa frustração é muito grande", disse o consultor da Siemens, Eduardo Nascimento Lima.

No início da manhã, quando a notícia do cancelamento se espalhou entre os parlamentares, a informação era de que a Anatel somente poderia manter a autorização se todos os três padrões estivessem presentes. A justificativa era perfeita para a situação porque os representantes do padrão japonês, que provavelmente será o escolhido pelo governo, cancelaram a participação no evento na segunda-feira à noite.