Título: "Autorizei a visita a Marcola. Era um direito que ele tinha"
Autor: Marcelo Godoy, José M. Tomazela e Chico Siqueira
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2006, Metrópole, p. C1

Cláudio Lembo, governador de São PauloEntrevistaNa terça-feira em que São Paulo ainda vivia sob o trauma do pânico que parou a cidade, o governador Cláudio Lembo passou o dia no Palácio dos Bandeirantes. Apesar da ressaca que ainda deixava a cidade vazia, ele dava a batalha por encerrada - e recebia mensagens de congratulações enviadas por fax por políticos. Falou por telefone com o governador de Minas, Aécio Neves, e com o ex-presidente Itamar Franco. À tarde recebeu o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). Nas conversas, o tom era de fim de jogo. No fim da tarde, Lembo falou à reportagem do Estado sobre a guerra que abalou São Paulo.

Houve acordo com o PCC?

Repito: não houve. A pergunta é legítima, mas é extremamente ofensiva. O que aconteceu foi o seguinte: uma advogada procurou as nossas autoridades e disse que, de acordo com a lei, o detento em Regime Disciplinar Diferenciado, ou seja, incomunicável, tem o direito de ser ouvido pelo seu advogado. Acho que isso foi no sábado, mas tenho dificuldade com dias. Perguntaram o que eu achava e eu disse que a legalidade tem que ser respeitada em todo esse conflito. Eu autorizei a visita dela. Ela foi levada em um avião da Polícia Militar até o presídio de Presidente Bernardes, falou com seu cliente, que é esse senhor Marcola, e retornou. Falou, porém, com uma condição: de que fosse na presença de funcionários da penitenciária. Isso é apenas o princípio da legalidade garantido até as últimas conseqüências. Não houve acordo nenhum.

Depois dessa conversa, o número de rebeliões diminuiu.

Tínhamos convicção absoluta de que íamos dominar os presídios de sábado para domingo, porque em alguns havia apenas a situação de rebeldia e não de rebelião. Tínhamos 12 presídios com grandes dificuldades, isso aconteceu. Agora, apontar essa coincidência é ingenuidade. Admito que isso faça parte da humanidade também, mas é ingenuidade. Que acordo é esse quando eles tiveram tantas vítimas, em que nós conseguimos recolher tantos bandidos ? E em que todos os morreram em confronto com a nossa polícia? Grande acordo, esse!

São Paulo parou por conta de uma onda de pânico que se alastrou em pouco mais de quatro horas. Faltou uma autoridade capaz de vir a público acalmar a população?

As autoridades estiveram presente o dia todo em suas funções de trabalho. Elas não podiam, antes de um quadro de situação plena, expor posições para a sociedade. Seria absolutamente irresponsável. Quando elas tiveram total convicção e segurança, o comandante da Polícia Militar deu entrevistas, o secretário de Segurança Pública falou e o governado também se ofereceu para expor com clareza o que estava acontecendo. O pânico é próprio de momentos difíceis, quando a insegurança pessoal se torna coletiva. Mas nós estávamos numa luta contra a bandidagem e quando tivemos o controle expusemos tudo. Ninguém mentiu para a sociedade. O governo não pode falar coisas das quais ele não teve a convicção e segurança. Aí ele é um governo irresponsável.

Isso quer dizer que até as 16 horas a situação estava mesmo fora de controle?

Estávamos em conflito contra o crime. Quando nós conseguimos impor a lei, pudemos falar com a sociedade olhando nos olhos da câmera, com firmeza, porque tínhamos a consciência de que estávamos sendo reais. Fomos até os limites da comunicação, mas da comunicação responsável. Não utilizamos o episódio para fazer exposição de personalidades. Nós só aparecemos quando foi necessário e tínhamos segurança do que íamos dizer. Há um conflito no Brasil entre a demagogia e a realidade responsável. Nós tentamos ser absolutamente responsáveis.

Mas boa parte do pânico foi fomentado por boatos e pela sensação de que a polícia estava atemorizada. Era comum ouvir que os bandidos mandam nas pessoas de bem.

É um fenômeno muito interessante, o de ontem. Nós brasileiros não estamos acostumados com uma situação como essa. E foi justo em um dia em que não houve nada, era ainda a percepção do que houve na sexta-feira e no sábado, isso deixou a todos nós brasileiros muito sensíveis. Agora, aquele pânico foi provocado por formas de comunicação excessivas, sem limites. Acontecimentos passados eram expostos no presente em alguns veículos. Não esqueça de dizer: alguns.

O sr. fala da TV, que repetia imagens do dia anterior?

Exatamente. É um assunto que eu gostaria de analisar na universidade no dia 1º de janeiro, quando já estiver fora do governo. Muito complexo.

A sua família foi atingida pelo pânico que tomou São Paulo?

Não sei, não perguntei. A minha grande família ontem era São Paulo. Nesses dias todos só pensei em São Paulo e na sua comunidade, e obviamente a minha família participa dela.

Como foi seu dia, ontem?

Eu estava muito convicto de que venceríamos, não tive nenhum momento de fragilidade. Quem trabalhou comigo sabe disso. Estou errado? (pergunta à duas assessoras). Tenho convicção na polícia de São Paulo. E ela foi para o combate.

O sr. poderia explicar em detalhes porque não quis ajuda federal?

Muito fácil: eu tive 20 homens da minha polícia mortos nos dois primeiros dias. E ainda assim eles lutavam, estavam com moral notável. E eu ia permitir que alguém ingressasse numa luta que era da minha Polícia? Não! Ninguém ia fazer com que a minha PM e Polícia Civil ficasse numa condição de subalternidade. Ela foi forte e eu a apoiei. Foi só por isso. Eu não tinha porquê colocar pessoas que não têm conhecimento sobre São Paulo ingressando e atuando na cidade. São Paulo sabe de sua força. Não teve nenhum ato voluntarioso do gênero: "eu não quero porque não quero". Eu quero ajuda, sim, claro. Se precisar eu sou o primeiro a pedir. Pedi à Polícia Federal que nos ajudasse. Aliás, não é nem que eu pedi, ela já nos ajuda continuadamente. Há um vínculos estreitos entre as duas polícias, e ele ficou muito solidário nesses dias. Eu sou muito grato à Polícia Federal. Mas não precisava de tropas ostensivas, ostentação seria uma coisa ridícula nesse momento. O Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, deu uma entrevista muito sóbria depois de se reunir comigo e reconheceu que São Paulo tinha capacidade para vencer. Foi bom, até porque ele também é paulista.

O comandante da PM de São Paulo, coronel Eliseu Éclair Teixeira Borges, afirmou que a força armada oferecida pelo governo federal não existe.

É uma visão dele, e ele é um homem militar, que tem uma grande experiência. Eu nunca vi a tal armada nacional.

Esse episódio vai atrapalhar a campanha de Geraldo Alckmin para a Presidência?

Isso vocês precisam perguntar aos generais do PSDB. Eu não consigo avaliar porque estou no trabalho.