Título: Advogada usou avião da PM para ver Marcola; polícia mata 32
Autor: Marcelo Godoy, José M. Tomazela e Chico Siqueira
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/05/2006, Metrópole, p. C1

Um avião da Polícia Militar levou no domingo a advogada Iracema Vasciaveo e integrantes das Secretarias da Segurança Pública e da Administração Penitenciária à Penitenciária de Presidente Bernardes, no interior, para uma reunião com Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC). Depois do encontro, a advogada telefonou para seus contatos. Em pouco tempo, surgia a ordem do PCC para suspender a onda de violência iniciada na semana passada.

Ontem o dia foi de relativa calmaria para a população na capital, que começou a retomar a rotina, apesar da depredação de dois ônibus. O transporte coletivo e o comércio funcionaram normalmente na cidade, mais vazia que de costume. Mas a madrugada foi violenta: a polícia matou 32 pessoas no Estado. "A caça continua", disse o comandante da PM, coronel Elizeu Éclair Teixeira Borges. No interior, apesar do fim das rebeliões, houve episódios violentos, como ataques a fóruns e delegacias e casas de policiais.

Na reunião com Marcola, estavam presentes, além da advogada, o corregedor da Administração Penitenciária, Antonio Ruiz Lopes, o delegado José Luiz Ramos Cavalcante e o coronel Ailton Araújo Brandão, chefe do Comando de Policiamento do Interior da região de Presidente Prudente.

O governo nega que tenha havido acordo com Marcola. Mas detalhes da reunião foram confirmados pelo secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. "Era para transmitir para pessoas fora daqui uma notícia que levaria ao fim dos atentados e rebeliões." A notícia que seria passada era a de que Marcola estava bem.

A advogada, ligada à entidade Nova Ordem - que trabalha na ressocialização de detentos - também negou o acordo. "Foi uma demonstração de boa vontade (do governo)", disse, em referência ao atendimento rápido do seu pedido para ver Marcola e mais sete líderes do PCC - feito no sábado pela manhã.

Iracema disse que pediu a visita atendendo a parentes dos presos. "Recebemos a informação de que as rebeliões estavam ocorrendo porque os presos tinham notícia de que Marcola havia sido espancado na transferência para Presidente Venceslau", contou Brandão. Marcola foi levado a Venceslau na quinta-feira, depois que o governo descobriu planos do PCC de fazer uma megarrebelião no Dia das Mães, e para o Deic no dia seguinte. No sábado, seguiu para Bernardes.

Furukawa autorizou o encontro. "Não fiz nada que envergonhe o povo de São Paulo." Um preso como Marcola, internado no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) não pode receber visitas e a entrada do advogado - Iracema não é representante legal do líder do PCC - tem de ser marcada com até dez dias de antecedência.

O encontro, no parlatório da unidade, durou das 16h30 às 20 horas. Segundo funcionários da prisão, que ouviram partes da conversa, Marcola pediu privilégios pessoais, como a liberação das visitas de seus advogados e de visitas íntimas. "Rolou, sim, o papo das TVs para eles assistirem aos jogos da Copa", disse um deles.

Brandão confirmou que houve reivindicações, mas negou o acordo. Ele reproduziu trechos do diálogo com Marcola. "Ele disse: 'Coronel, tem vários irmãos morrendo aí fora.' Aí eu disse: 'Não são só irmãos, tem muitos policiais inocentes morrendo.' Falei que aquilo não era bom para ninguém." Segundo o coronel, Marcola retrucou dizendo: "Não sou eu que posso parar isso." "Então abri o jogo: falei que tinha tropas de choque prontas para entrar nos presídios e isso era responsabilidade dele." Mesmo assim, Marcola negou ter poder de parar a onda de ataques. "Se há alguém coordenando isso, é da P2 (Penitenciária 2, de Venceslau)", garantiu.