Título: BC fala em parcimônia na queda da Selic e põe a culpa no gasto público
Autor: Gustavo Freire, Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2006, Economia & Negócios, p. B4,5

Recado foi entendido pelo mercado como sinal de que o Copom pode reduzir ritmo de corte da taxa de juro

O aumento dos gastos públicos em ano eleitoral pode frear a queda dos juros. O Banco Central (BC) apontou o crescimento dos gastos públicos nos últimos meses e neste primeiro semestre de 2006 - que chamou de "impulso fiscal"- como uma das razões para conduzir a política monetária "com maior parcimônia" daqui por diante. É o que consta da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem. Nessa reunião, ocorrida na semana passada, o Copom reduziu a taxa de juro básica da economia (Selic) de 16,5% para 15,75% ao ano.

O recado foi entendido por analistas do mercado como um sinal de que o BC pode reduzir o ritmo de queda dos juros, voltando a cortar apenas 0,5 ponto porcentual na próxima reunião, marcada para 30 e 31 de maio. A ata diz que o cenário internacional ainda é favorável ao Brasil e a inflação está sob controle, mas observa que ainda há incertezas sobre o efeito sobre a demanda do corte dos juros já realizado desde setembro. Nesse ponto reside uma das grandes preocupações do BC, ou seja, o efeito da redução dos juros na atividade econômica - em um primeiro momento - e, depois, sobre a inflação.

A perspectiva de um ritmo mais lento na redução dos juros é explicitada, também, na referência do documento do BC à possibilidade de a taxa de juro estar próxima à taxa de equilíbrio, que permite um crescimento sustentado da economia sem provocar inflação.

Quanto menor essa "distância", menor a margem de redução da Selic. Isso indica a necessidade de cautela nos próximos movimentos do BC porque existe uma defasagem natural entre a redução do juro e seu impacto sobre a economia. A diretoria do BC sugere que por causa desse período de defasagem o ritmo de crescimento da economia deve ser monitorado este ano para evitar um repique da inflação em 2007.

O Copom justificou a necessidade de cautela com o aumento dos gastos públicos e do novo salário mínimo de R$ 350, medidas que, combinadas, podem ser inflacionárias. Quanto maior o volume de dinheiro em circulação na economia, maior o potencial de aumento do consumo e de nova alta nos preços.

Também há incertezas sobre o impacto da alta do preço do petróleo no mercado internacional. Ao contrário dos documentos anteriores, desta vez o BC admite que "se tornou menos plausível" a possibilidade de não se praticar um reajuste da gasolina no mercado interno antes do fim do ano. A expansão do crédito, da renda do brasileiro e do nível de emprego são outros fatores de risco para a inflação apontados pelo BC.

A leitura de que uma condução "com mais parcimônia" da política monetária vai significar redução mais lenta das taxas de juros provocou uma reação imediata nas taxas de juros no mercado futuro. Muitos especialistas passaram a trabalhar com a expectativa de que, em maio, o Copom voltará ao nível de redução de 0,5 ponto porcentual. O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, diz que a ata deixou claro que a Selic cairá somente 0,5 ponto porcentual na próxima reunião e existe, de fato, uma preocupação com os níveis de inflação de longo prazo. "Quem achava que a Selic iria fechar o ano abaixo de 14% deve estar com as barbas de molho", disse Freitas, ex-diretor do BC.

Para o estrategista do BNP Paribas, Alexandre Lintz, a cautela do Copom se explica porque a taxa Selic começa a se aproximar de suas mínimas históricas. "É normal que haja cautela quando começamos a navegar em mares nunca antes navegados." Caso caia para 15%, a taxa atingirá seu menor nível desde 1999, quando o Copom passou a fixar regularmente a Selic. Lintz acha que o BC vai manter o ritmo de queda na reunião de maio, reduzindo a Selic em 0,75 ponto porcentual. "Com a cautela da ata, não há mais a possibilidade de queda de 1 ponto da taxa." Para a reunião de julho, previu ele, o cenário mais provável é de queda de 0,5 ponto porcentual.

"Ainda tem muita água para correr embaixo da ponte até a próxima reunião do Copom", ponderou o economista do Banco Itaú Joel Bogdanski. Na avaliação dele, a maior probabilidade é de que o Copom mantenha o ritmo de queda de juros e a taxa chegue ao fim do ano em 13%. "A ata não me fez mudar em nada o nosso cenário básico para a trajetória de juros", disse o economista do Itaú.