Título: Os EUA devem conversar com os iranianos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2006, Internacional, p. A16

Líderes americanos e iranianos estão falando um bocado uns sobre os outros quando deviam estar mais atentos a conversar uns com os outros. Os dois lados estão atirando farpas verbais contundentes com crescente freqüência enquanto a mídia especula sobre um possível ataque americano a instalações nucleares iranianas e os esforços persistentes dos líderes iranianos para fazer avançar a capacidade nuclear do país.

Impedir que o Irã se transforme numa potência nuclear é um objetivo bipartidário nos EUA compartilhado com quase todo o mundo, mas os riscos de uma guerra com o país são pouco discutidos pelos líderes e raramente mencionados pela mídia. Os americanos continuam a dissecar inutilmente os motivos para invadir o Iraque - quando já é tarde para fazer algo a respeito. Mas não debatem as conseqüências muito piores de um conflito com o Irã enquanto este ainda pode ser evitado.

Não há dúvida de que, se o Irã desenvolvesse armas nucleares, desequilibraria ainda mais o Oriente Médio, colocaria amigos e aliados dos EUA em alto risco, disseminaria temores de repasse de armas nucleares a grupos terroristas, assustaria Israel e solaparia a autoridade americana na região.

Ao mesmo tempo, um ataque ao Irã provavelmente causaria uma disparada nos preços do petróleo, alienaria muçulmanos, criaria um racha dentro da aliança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e acarretaria um aumento do terrorismo. Poderia inclusive motivar forças iranianas a cruzarem a fronteira do Iraque para atacar tropas americanas.

Diante dessas duas alternativas altamente perniciosas, os Estados Unidos deveriam tentar conversar com o regime iraniano sobre questões críticas para os dois lados. Essas conversas deveriam se estender muito além dos intercâmbios que Washington propôs a Teerã, limitados aos problemas de segurança americanos no Iraque (o Irã rejeitou essas conversas limitadas). Cúpulas com países opositores são uma grande tradição americana. O presidente Richard Nixon foi a Pequim apesar de a China estar ajudando o Vietnã do Norte em sua luta contra forças americanas.

O presidente Ronald Reagan proclamou a União Soviética "um império do mal", mas ainda assim negociou acordos com ela sobre controle de armas e outras questões. E a administração Bush fala com a Coréia do Norte, talvez o regime mais perigoso e paranóico do mundo. Os EUA nunca se limitaram a conversar apenas com seus amigos externos.

As conversações EUA-Irã deveriam se concentrar nas questões candentes. Para os EUA, estas incluem uma moratória na produção de materiais passíveis de uso em armas nucleares e a abertura do Irã a inspeções livres das suas instalações nucleares para a produção de energia pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Além disso, a segurança regional exige que os iranianos parem de apoiar terroristas, em particular, o Hezbollah.

Como qualquer outro país que empreendeu a jornada para obter armas nucleares, a motivação principal do Irã certamente foi suas preocupações com a própria segurança, o que faz disso um tópico chave numa conversa com os EUA.

Além da presença de tropas no Iraque, da Quinta Frota estacionada na região, e da ambição americana de uma "mudança de regime" no Irã, os iranianos estão preocupados com a possibilidade de se verem cercados por vizinhos hostis, incluindo um Paquistão com armas nucleares.

Por mais repugnante que os americanos considerem o ódio ao Ocidente do Irã, os apelos deste para a destruição de Israel e as negativas absurdas do Holocausto por seu presidente, as legítimas preocupações de segurança do Irã precisam entrar em qualquer agenda séria de conversações.

Os EUA deram garantias de segurança à Coréia do Norte - uma potência nuclear declarada - mas se recusaram a colocar essa possibilidade em jogo com os iranianos. Fala-se muito dos dois anos de negociações que Grã-Bretanha, França, Alemanha e União Européia mantiveram com Teerã. Mas os EUA especificamente impediram esses países de introduzirem a idéia de garantias de segurança americanas. Isso é o mesmo que fazer o impossível.

Um ataque dos EUA ao Irã poderia impedir temporariamente o país de se tornar nuclear, mas seria o início, e não o fim, do conflito. Os iranianos são um povo que se une quando ameaçado ou atacado - como os americanos, aliás. A liderança clerical do Irã, por mais desprezada que seja por tanta gente em seu próprio país, não vai cair à primeira rajada de metralhadora. Poderia, inclusive, consolidar seu regime - do mesmo jeito que o aiatolá Khomeini, há um quarto de século, usou a invasão de Saddam Hussein para consolidar seu poder.

A oferta americana de negociações sérias com o Irã que tratem das questões de segurança cruciais tais como elas são vistas por cada lado pode não ser suficiente para desviar os iranianos do rumo perigoso que tomaram. Mas é muito melhor do que se fiar em que os iranianos vacilarão em seu embate atual. Se os EUA pelo menos não testarem uma "grande barganha" para resolver suas diferenças com o Irã, os dois países continuarão à deriva rumo à guerra.