Título: O pacote da segurança
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2006, Notas e Informações, p. A3

F oi necessária uma tragédia das proporções da ofensiva do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, para que o Senado desengavetasse projetos relativos à segurança pública que tramitavam há mais de dois anos. Numa única sessão, a Comissão de Constituição e Justiça votou em caráter terminativo 14 medidas, a maioria das quais aprovada por unanimidade. Quase todos os projetos são de autoria da oposição e foram votados em 40 minutos.

No dia anterior, ao pedir aos dirigentes do Congresso uma reunião para "acertar o passo" com o governo, o ministro da Justiça afirmou ser preciso "não cair na tentação da legislação do pânico, feita em momento de crise, que acaba por deformar o sistema processual, em vez de trazer soluções".

Seguida à risca a recomendação do ministro, renomado advogado criminalista, a legislação nunca seria reformada. Em tempos de crise, pelos motivos expostos; em tempos de calma, por falta de urgência. O Senado, felizmente, ignorou a opinião do ministro e correspondeu aos anseios da sociedade brasileira, que exige instrumentos mais eficazes de combate ao crime organizado.

Dos projetos aprovados, poucos envolvem a legislação processual. Entre eles, destacam-se a extinção do benefício da liberdade condicional aos condenados reincidentes em crimes punidos com reclusão, a adoção do instituto da "delação premiada" a presos já condenados e a autorização para que o juiz interrogue réus por meio de videoconferência. Esta última inovação - que já poderia estar em vigor há muito tempo - sempre sofreu resistência dos advogados.

No que se refere ao Código Penal, o Senado aprovou três importantes inovações. A primeira, tipifica como falta grave o uso de celulares por presos nas prisões. Se for aprovada pela Câmara, essa medida derrubará uma absurda jurisprudência em sentido contrário recentemente firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

A segunda medida, concebida para neutralizar a interposição de recursos protelatórios pelos advogados, aumenta os prazos para a prescrição das penas. A terceira, torna indisponíveis os bens do criminoso para ressarcimento do prejuízo causado à vítima.

Outro projeto modifica as regras de limite de cumprimento das penas. Atualmente, mesmo que um preso seja condenado a 40 anos ou mais, o teto para cumprimento da pena é de 30 anos.

Pelo texto aprovado pelo Senado, os juízes não mais poderão usar esse teto para calcular os benefícios do regime de progressão, como a passagem para o semi-aberto e a liberdade condicional. Esses benefícios terão de ser calculados com base no tempo total da condenação, independentemente do teto.

Também foi aprovado projeto tornando mensais, ao invés de semanais, as visitas que o preso pode receber e restringindo-as a dois familiares, que ficarão separados do preso por um vidro e falando por interfone. Com o objetivo de acabar com regalias dos presos mais ricos, que encomendam refeições a restaurantes, outro projeto estabelece regras severas de isolamento, proibindo a entrada de bebidas, comida e rádio.

O projeto mais importante impõe maior rigor ao Regime Disciplinar Diferenciado, ampliando o período de isolamento, que hoje é de 360 dias, para 720 dias, podendo ser prorrogado a critério da Justiça. Chamada de Regime de Segurança Máxima, a medida prevê que o preso poderá cumprir pena longe do Estado onde residia.

Todas essas inovações, que a Câmara poderá modificar, são necessárias para facilitar o sucesso da repressão ao crime organizado. Mas ainda há muito mais o que fazer para tornar o sistema prisional mais eficiente, como o aumento do alcance das penas alternativas para crimes de menor gravidade, a construção de mais prisões, o aperfeiçoamento das instituições encarregadas de dar aos presos a qualificação necessária para sua ressocialização e a reforma das leis penais e processuais.

Ainda que com grande atraso, o Senado cumpriu seu papel. Estranhável, repetimos, é o comportamento do ministro da Justiça, que classificou a iniciativa dessa casa legislativa como "açodada". Se tivesse acontecido esse "açodamento" há dois anos atrás, certamente São Paulo teria sido poupada da tragédia que a traumatizou.