Título: Bondade sindical
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/04/2006, Notas e Informaçoes, p. A3

Embora as reformas sindical e trabalhista sejam das mais complexas e difíceis de serem implementadas, pela diversidade de interesses envolvidos - não só de empregadores e empregados, mas também das várias correntes político-ideológicas que dividem estes últimos -, era de se esperar que tivessem tido um impulso decisivo no governo de um presidente que veio do sindicalismo, tem nele o assunto de que mais entende e é tido como detentor de condições especiais de bem conduzir negociações nesse campo - qualidade, aliás, que o lançou em vitoriosa carreira política. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já ultrapassados três quartos de seu governo, nem de longe conseguiu obter avanços de lege ferenda nos campos sindical e trabalhista, ou algo que pudesse sinalizar inovações estruturais na organização da representação laboral ou modernização nas relações capital/trabalho, por meio de regras mais flexíveis em favor da produção e do emprego.

Como não avançou no Congresso Nacional, por falta de acordos políticos - e de empenho governamental em obtê-los -, a ambiciosa proposta de reforma sindical que objetivava buscar "um novo paradigma nas relações sindicais" (expressão contida na mensagem presidencial), parece que o governo se contentou com uma espécie de gambiarra reformista, pinçando alguns tópicos, de preferência os menos controversos e de maior impacto, de um projeto de emenda constitucional para fazê-los integrar um projeto de lei ordinária ou uma indefectível Medida Provisória, de aplicabilidade imediata, independentemente do esforço da negociação política. E é assim que, dando prosseguimento aos pacotes de "bondades eleitorais" já anunciados - onde estão o novo salário mínimo de R$ 350,00, o reajuste acima da inflação de aposentados e pensionistas, a antecipação, para estes, de metade do 13º na folha de pagamento de setembro, além de outros itens relacionados à regulamentação do Estatuto do Idoso, no tocante ao transporte gratuito interestadual, etc. -, é anunciada agora a "bondade sindical".

É claro que não poderia deixar de ser aproveitado, para tal anúncio, o emblemático dia 1º de maio. A explicação de um técnico do Ministério do Trabalho já diz tudo: "Como já saiu o reajuste e a antecipação do pagamento do mínimo, é preciso fazer alguma coisa para não deixar o Dia do Trabalho passar em branco." Então, o governo estará anunciando, no palanque eleitoral, entre outras coisas, o reconhecimento das centrais sindicais, a criação do Conselho Nacional das Relações de Trabalho - organismo tripartite semelhante ao Conselho Curador do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) -, a regulamentação federal do trabalho aos domingos e outros temas, que, no fundo, podem ser considerados perfunctórios (sem que lhes tiremos a importância), dada a quantidade grande de questões que, de há muito, integram a agenda sindical-trabalhista no Congresso, nos sindicatos, nos partidos políticos, no meio empresarial e na sociedade, em geral.

Os temas discutidos por ocasião do Fórum Nacional do Trabalho - e em razão do projeto de emenda constitucional enviado pelo governo ao Congresso - já dão idéia da complexidade de questões atinentes à matéria, que suscita muitas divergências, como já dissemos: o fim da unicidade, criando um modelo de pluralidade na estrutura sindical em todos os níveis; a negociação coletiva em todos os níveis, como principal instrumento de regulação dos direitos trabalhistas; a especificação de critérios de representatividade e democratização interna das entidades sindicais; novos mecanismos de financiamento da estrutura sindical, com o fim do Imposto Sindical e de "qualquer recurso de natureza parafiscal", para o custeio dessas entidades. Por outro lado, é evidente que mudanças de maior profundidade são exigidas para a adaptação da estrutura sindical brasileira à contemporaneidade da produção, do trabalho e da economia globalizada, sob pena de o próprio sindicalismo cair no vazio, em sua função primordial de defender o trabalho dos cidadãos e a melhoria das suas condições. Para isso contribuirá a anunciada bondade sindical deste 1º de maio?

N. da R. - Diferente do que informamos no editorial "Lesa-pátria", publicado na edição de ontem, foram três os presidentes sul-americanos que visitaram o Brasil nos últimos dias.