Título: Papa fixa regras mais duras para beatificação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2006, Vida&, p. A23

Novas diretrizes vão desacelerar a 'fábrica de santos' de João Paulo II

Sob João Paulo II, o ministério do Vaticano que aprova candidatos à canonização teve de trabalhar com tanto afinco que um cardeal o apelidou de "fábrica de santos". O polonês adotou um procedimento aparentemente anacrônico e usou-o de uma maneira absolutamente moderna como meio de comunicação. Viagens eram acompanhadas de canonizações e beatificações de pessoas dos países visitados. Praticamente nenhum país foi esquecido por ele, que proclamou 482 santos (mais que nos cinco séculos precedentes ) e 1.338 beatos.

Mas, em documento divulgado anteontem que pareceu a primeira grande inovação política de seu primeiro ano de papado, Bento XVI puxou o freio da linha de montagem da fábrica. Pede cautela e rigor na decisão de quem deve ser santificado. Ele já havia dado mostras de sua inclinação ao se ausentar das sempre coloridas cerimônias de beatificação na Praça de São Pedro, tão ao gosto de seu antecessor.

A nova linha dura poderá ter implicações para o próprio João Paulo II, a quem Bento abriu o caminho para a santidade 26 dias após sua morte, em abril de 2005. Os católicos conservadores expressaram com freqüência seu desagrado com a aparente inobservância, pelo papa anterior, das regras para canonização e beatificação, a última etapa antes da santificação.

João Paulo parecia não dar muita importância ao requisito de haver surgido culto de devoção em torno da figura do candidato. O papa Bento, ao contrário, enfatizou que o processo "não pode ser iniciado na ausência de uma reputação de santidade verificada, mesmo que se esteja lidando com pessoas que se distinguiram por sua lucidez evangélica ou por méritos sociais e eclesiásticos".

Normalmente é necessário um milagre para alguém ser santificado e o papa ressaltou "a necessidade de um milagre físico, não sendo suficiente um milagre moral". A exceção é o martírio, e também neste caso, o papa endureceu. Morrer pela fé não é o mesmo que martírio, diz Bento XVI. O mártir é uma vítima da perseguição anticristã e é "necessário que o ódio do perseguidor da fé esteja evidente".

Talvez o movimento mais controverso de João Paulo tenha sido o rápido processo do fundador da prelazia Opus Dei, Josemaría Escrivá. Beatificado apenas 17 anos após sua morte e proclamado santo em 2002, era acusado de vaidade e tolerância com o regime ditatorial de Franco, na Espanha. A beatificação de Madre Teresa, em 2003, também provocou debate por ter sido ignorada a espera formal de 5 anos depois da morte.