Título: Em casa de enforcado
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2006, Nacional, p. A6

O discurso da eficiência administrativa pretendido pela oposição para marcar a diferença na disputa pela Presidência da República entre Geraldo Alckmin, o bom gerente, e Luiz Inácio da Silva, o bom de papo, sofreu ferimentos graves com o espetáculo de violência patrocinado pelo crime organizado em São Paulo.

Agora, se o PT pretende se aproveitar disso para tentar tirar de cena os protagonistas da maior crise moral jamais vista no País - José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e quem mais figure como sujeito oculto da denúncia do Ministério Público ao Supremo Tribunal Federal sobre a formação de uma quadrilha que tomou de assalto o Estado com vistas a se perpetuar no poder - e substituí-los pelos governantes que levaram a maior rasteira da bandidagem já vista no País, o atual e o ex-governador de São Paulo, talvez fosse conveniente o partido se preparar para a hipótese de não conseguir alcançar seu objetivo.

Como pontificou Genoino mais de uma vez quando ocupava a presidência do PT: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa bem diferente.

Não fosse a natureza diversa dos episódios e da forma como se postam em cena seus atores - naquele os petistas são sujeitos do crime e neste os tucanos-pefelistas aparecem como objetos da própria inépcia - resta a evidência de que, em brigas de aproveitamento eleitoral a partir de dramas que atingem em cheio a população, governos têm sempre muito mais a perder.

A pesquisa Datafolha divulgada no quente dos acontecimentos mostrou que ambos, Lula e Alckmin, estão no mesmo patamar de desconfiança do ponto de vista popular.

A maioria (53%) acha que o Poder Judiciário tem muita responsabilidade sobre a escalada de violência e a impunidade dos bandidos. Mas 39% atribuem culpa a Lula e 37% a Geraldo Alckmin. Um empate cuja soma só não resulta zero porque o candidato oficial tende a ficar com o prejuízo maior.

Um parêntese para relembrar o custo político da chacina dos sem-terra em Eldorado de Carajás no início do segundo ano de governo Fernando Henrique Cardoso. Legalmente, a responsabilidade pela matança era do governo estadual, do também tucano Almir Gabriel.

Mas, politicamente, a fatura foi apresentada no Palácio do Planalto, de onde emana o poder central, responsável último pela segurança do público pagante de impostos federais e constitucionalmente respaldado em seu direito à vida sob a garantia do Estado.

No caso de São Paulo, é particularmente ruim para Lula o embate, pois combate em terreno conhecido pelo adversário e abre espaço para ser contraditado de igual para igual, como candidato e não como presidente da República. Tanto que Alckmin devolveu o ataque na base do desaforo, chamando o presidente de "mesquinho".

Criticar os antecessores a respeito da falta de investimento em educação tampouco favorece um governo sem feitos a apresentar na área; discorrer sobre a necessidade de apostar no jovem e no ensino técnico como forma de conter o crime também não é o melhor argumento a ser utilizado por um governo cujo programa destinado àquele público, o Primeiro Emprego, acaba de ter óbito oficialmente decretado por insuficiência de desempenho.

Junte-se a isso no telhado de vidro a questão do presumido acordo entre o governo do Estado e o crime organizado. Há indícios fortes de que houve, mas para um governo que vive a exigir provas a respeito de acusações que lhe são imputadas, é temerário assumir denúncias com base em indícios.

Não bastasse, há o constrangimento de o Exército, uma instituição de jurisdição federal, há muito pouco tempo ter sido alvo do mesmo tipo de desconfiança quando as armas roubadas de um quartel no Rio de Janeiro apareceram como que por encanto depois de dias de inútil ocupação dos morros da cidade e suspeita de objetivas conversações com os chefões do narcotráfico.

Nenhuma das forças políticas tem coisa alguma a ganhar quando, no meio da disputa, está a segurança da população. Muito menos ganha quem não percebe que o debate sobre a corda ocorre em casa de enforcado.

Agenda vazia

Sacramentada preliminarmente (definitivamente só em junho) a aliança entre PSDB e PFL, com a escolha do senador José Jorge para vice de Geraldo Alckmin, retoma-se a chapa de 1994 e 1998. Em 2002, o PSDB teve como vice a deputada Rita Camata, do PMDB.

A dobradinha repetida não garante nada, até porque a anterior tinha como sustentação o Plano Real e esta nem a bordo de planos irreais ainda se apresentou. Na verdade, não disse - como de resto nenhum outro candidato - ao que pretende vir a partir de 2007.

Até o momento suas excelências têm vivido dos defeitos dos adversários.

Se dependessem das próprias qualidades estariam em risco de grave déficit de nutrição eleitoral.