Título: ONU aperta o cerco sobre o Irã
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2006, Internacional, p. A17

Relatório diz que país ignorou exigências sobre programa nuclear e Conselho de Segurança prepara resolução

VIENA

O relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o programa nuclear do Irã, apresentado ontem, lançou a questão a uma nova etapa, mais grave e que novamente oporá as grandes potências no Conselho de Segurança da ONU na hora de decidir como agir.

O Irã não suspendeu as atividades de enriquecimento de urânio e não forneceu as informações solicitadas sobre seu programa nuclear, concluiu a AIEA - órgão da ONU encarregado de supervisionar a aplicação pacífica da energia atômica. No dia 28 de março, o Conselho de Segurança dera um mês de prazo para o governo iraniano esclarecer aspectos nebulosos sobre seu programa nuclear e atender à exigência da AIEA de suspensão do enriquecimento de urânio. Essa atividade é vista sob suspeita porque pode conduzir, também, à fabricação de armas, apesar de o Irã insistir que seu objetivo é o uso pacífico da energia nuclear.

Em vez de cumprir a determinação do Conselho, o Irã acelerou o programa e anunciou ter começado a produzir urânio enriquecido. Ontem, após ser informado do relatório, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, reagiu dizendo que os iranianos "não dão a mínima para essas resoluções" do Conselho.

"Depois de mais de três anos de esforços da agência para esclarecer todos os aspectos do programa nuclear do Irã, as brechas existentes continuam a ser preocupantes", destacou o diretor da AIEA, Mohamed el-Baradei, no relatório enviado ontem ao Conselho de Segurança. Os aspectos mais "preocupantes" mencionados no texto de oito páginas são:

Parece verdadeiro o anúncio iraniano, no dia 11, de que começou a enriquecer urânio;

O Irã usou plutônio (não declarado à AIEA) em experimentos de pequena escala;

O país se recusou a dar informações em questões decisivas, incluindo suas centrífugas.

Diplomatas americanos e britânicos na ONU anteciparam ontem que pretendem encaminhar ao Conselho de Segurança um anteprojeto de resolução, de caráter obrigatório, com base no Capítulo 7, exigindo que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio. O Capítulo 7 da Carta da ONU é invocado nos casos de ameaça à paz ou à segurança internacional. Portanto, se for descumprido, o Conselho teria uma base legal para aprovar sanções ou mesmo uma ação militar. Na terça-feira haverá reunião prévia de diplomatas em Paris e no dia 9 os chanceleres dos membros permanentes do Conselho discutirão o caso.

Dos membros permanentes do Conselho (detentores do poder de veto), EUA, França e Grã-Bretanha favorecem o recurso a sanções, se o Irã não ceder. China e Rússia, que mantêm boas relações comerciais com Teerã, se opõem e não parecem dispostos a endossar uma resolução que remeta ao Capítulo 7.

"A diplomacia está apenas começando", disse o presidente George W. Bush, que deu ênfase "à consulta aos aliados". Mas Bush declarou a jornalistas que a "intransigência do Irã é inaceitável". Na verdade, a estratégia americana é endurecer o tom.

Coincidentemente, ontem o Departamento de Estado dos EUA divulgou um relatório colocando o Irã como principal patrocinador do terrorismo internacional.

"Os EUA estão prontos para levar adiante uma resolução baseada no Capítulo 7, que obrigue o Irã a cumprir as resoluções da AIEA", disse, categórico, o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, alinhado com os ultraconservadores do governo americano. Segundo Bolton, o texto qualificará o programa do Irã de ameaça à paz e à segurança internacional e dará ao país um "prazo curto" para cumprir as exigências, depois do qual as potencias ocidentais poderão estudar a aplicação de sanções.

O representante britânico na ONU, Emyr Jones Parry, antecipou que sua delegação pretende apresentar a resolução em meados da semana que vem.

Mas russos e chineses não parecem propensos a endossar esse tom agressivo. O embaixador da China, Wang Guangya, também expressou com firmeza sua posição: "Só desejamos trabalhar por uma solução diplomática, porque essa região (o Oriente Médio) já está complicada", disse Wang. "Creio que invocar o Capítulo 7 tornará as coisas mais complicadas." Em Moscou, o vice-chanceler russo, Serguei Kislyak, foi evasivo: "Nós vamos examinar muito atentamente o relatório para decidir sobre nossa posição e ações para resolver os problemas relacionados ao programa nuclear iraniano."

A posição cautelosa da Rússia e da China já desperta críticas ferinas no Congresso. O senador republicano John McCain, considerado um moderado, alertou ontem esses países sobre os danos para seu relacionamento com os EUA se se recusarem a apoiar sanções contra o Irã. Ele defendeu sanções como proibição de investimentos no Irã, impedimento de viagens para o Ocidente e congelamento de bens de autoridades iranianas no exterior.