Título: Cursinhos para carentes aprovam mudanças
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2006, Vida&, p. A16

Representantes de cursinhos comunitários e alunos da Universidade de São Paulo (USP) vêem o projeto como um avanço, mas exigem mais. Segundo o diretor do Fórum dos Cursinhos Comunitários, frei David dos Santos, 3% de bônus é muito pouco para incluir o jovem carente no vestibular da Fuvest. Ele defende pelo menos um acréscimo de 10% na nota.

"É preciso fazer também um corte socioeconômico e incluir os afro-brasileiros", completa Santos. Para ele, os alunos beneficiados deveriam pertencer a famílias com renda per capita de um salário mínimo e meio.

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP também defende a questão étnica. "Os índios e negros estão fora da universidade, injustiça que se agrava nos cursos mais concorridos", diz a nota divulgada ontem pelo DCE sobre o Inclusp. A entidade se declara, inclusive, a favor do sistema de cotas. Os estudantes da USP assistiram ontem a uma apresentação do projeto feito pela reitoria e também a eles foi pedido que não comentassem o seu conteúdo.

No último vestibular da Fuvest, entre o aprovados, apenas 1,3% deles se declararam pretos e 9,8%, pardos. O projeto aprovado não faz qualquer menção a essa população.

"O projeto é um avanço, é inteligente e não se reduz às cotas", pondera o diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Eduardo Marchi. Ele faz parte do Conselho Universitário e acredita que o documento será aprovado quando for colocado em pauta. "Propõe mais do que acesso à universidade: beneficia todo o ensino médio", diz, citando a intenção prevista no programa de enviar alunos de Licenciatura para fazer estágios em escolas públicas.

As mudanças na Fuvest, no entanto, não agradaram em nada representantes das escolas particulares. "Hoje o vestibular é extremamente justo de acordo com o critério de mérito. Entram os melhores", diz o diretor do Colégio Bandeirantes, Mauro Aguiar, um dos que mais aprova estudantes na USP. Ele discorda também da avaliação seriada porque "levaria a ansiedade do vestibular a todos os anos do ensino médio e não mais apenas ao último".

Aguiar, que é também membro do Conselho Estadual de Educação (CEE), diz ainda que a interdisciplinaridade proposta pelo projeto da USP não ajudará alunos de escola pública. "A interdisciplinaridade é muito cara porque requer diversas reuniões de professores, elaboração conjunta de aulas e isso só pode acontecer em um colégio de excelência", afirma. Ele argumenta que o ranking divulgado recentemente sobre o desempenho das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que é interdisciplinar, já mostrou que os colégios particulares também se saem melhor.

"A missão da USP nunca foi a de ser uma universidade de massa e sim de excelência. Para isso, precisa continuar trazendo os melhores", diz um professor da instituição, que também teve conhecimento do projeto, mas não autorizou a publicação do seu nome. Ele acredita que o Inclusp abre um "precedente perigoso para as cotas". "De qualquer modo, o debate precisava ter sido aberto a todos e não feito em sigilo", conclui.