Título: Camisa de força
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2006, Nacional, p. A6

O PT realiza neste fim de semana seu 13º encontro nacional, o primeiro como partido de governo, prisioneiro de um dilema atroz: ou se mantém curvado às conveniências do poder e arrisca-se a trincar de maneira irremediável suas relações com o eleitorado e com sua própria história, ou tenta o caminho da autonomia, põe em perigo a reeleição de Luiz Inácio da Silva e também corre o risco de um salto no escuro em matéria de resultado eleitoral.

Os petistas hoje precisam de Lula, mas a recíproca é apenas parcialmente verdadeira.

Antes mesmo da abertura marcada para ontem à noite, com a presença do presidente da República, a aprovação da pauta de interesse do governo era uma imposição considerada inegociável pela cúpula. O documento final estava pronto já na véspera do encontro.

Lula quer carta branca para fazer quaisquer alianças partidárias, exige liberdade para definir a linha de campanha independentemente dos anseios petistas, admite algum reparo aos "equívocos de alguns", mas avisa de antemão que autocrítica tem limite e que a palavra de ordem é a repetição da obediência de 2002 aos ditames do pragmatismo eleitoral.

Uma concessão é feita ao velho PT e, ainda assim, porque ela atende às conveniências da ausência de outras bandeiras: o toque de reunir ideológico de conclamação à reeleição para "barrar a direita".

Para quem acompanhou de perto, e numa posição altamente crítica, vários dos encontros nacionais do partido à época em que o PT era oposição, é fácil supor o quanto seja penoso para os militantes da outrora vigorosa agremiação se reunirem em situação de debate interditado.

Ao longo dos últimos anos, o PT patrocinou memoráveis reuniões. Nelas, muito mais que o discurso por vezes leviano e até infantil contra os diversos governos, o que entusiasmava e encantava era a riqueza das discussões, a liberdade do embate e a alegria dos participantes em fazer política.

Este era o verdadeiro diferencial do PT. Não havia nenhum como ele quando a energia partidária era liberada coletivamente. No PSDB a briga sempre foi entre medalhões; no PFL decide-se tudo pela cúpula; no PMDB grassa a grossa pancadaria e a militância de cabresto. Os outros nunca passaram de repartições, muitas vezes com fins lucrativos.

No PT, por mais que a direção vencesse no final, a vitória representava um consenso surgido da exaustão do conflito. Acabavam todos, como se prevê termine este agora, aclamando Lula como liderança máxima. Mas não era por imposição e sim por espontaneidade. Podia haver radicalismo, mas não havia artificialismo.

Nas outras eleições que disputou depois da primeira derrota em 1989, Lula também pediu carta-branca para dar a linha da campanha e pôr em prática a política de alianças. Mas a realidade era outra: havia paixão e idealismo. A militância dava a Lula o que ele pedia porque seus pedidos representavam também o que a base queria.

Agora serão 1.200 delegados reunidos no Sindicato dos Bancários de São Paulo avisados de que devem dizer amém, não obstante isso possa significar o oposto de seus desejos.

Naquele mesmo cenário, anos atrás, pouco menos de dez, o PT realizou um encontro nacional em que até corredor polonês a seccional do partido no Rio de Janeiro formou para cercar os dirigentes como protesto pela intervenção nacional na eleição estadual.

Dos desaforos não escapou ninguém, só Lula, cuja palavra final prevaleceu.

Mas prevaleceu porque a militância assim falou e não porque fosse obrigada a se calar.