Título: Ataque preventivo poderia afundar EUA
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Internacional, p. A16

O anúncio do Irã de ter enriquecido uma quantidade mínima de urânio motivou pedidos urgentes de um ataque aéreo preventivo feitos pelas mesmas fontes que antes defenderam a guerra no Iraque. Se houver outro ataque terrorista nos Estados Unidos, podem apostar que também haverá, imediatamente, acusações de que o Irã foi responsável, a fim de gerar histeria pública em favor da ação militar.

Mas existem quatro razões convincentes contra um ataque aéreo preventivo às instalações nucleares iranianas:

1) Na ausência de uma ameaça iminente (e faltam vários anos para que os iranianos obtenham um arsenal nuclear), o ataque seria um ato de guerra unilateral. Se fosse lançado sem uma declaração de guerra formal por parte do Congresso, um ataque seria inconstitucional e justificaria o impeachment do presidente. De modo similar, se fosse lançado sem a sanção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelos EUA sozinhos ou com a cumplicidade de Israel, ele transformaria os perpetradores em criminosos internacionais.

2) As prováveis reações iranianas agravariam significativamente as atuais dificuldades dos EUA no Iraque e no Afeganistão, talvez precipitando novos atos de violência do Hezbollah no Líbano e possivelmente em outros lugares e, com toda a probabilidade, atolando os Estados Unidos na violência regional por uma década ou mais. Um conflito com o Irã, país de cerca de 70 milhões de habitantes, faria a desventura no Iraque parecer trivial.

3) Os preços do petróleo disparariam, especialmente se os iranianos cortassem sua produção ou buscassem interromper o fluxo dos campos petrolíferos da Arábia Saudita. A economia mundial seria seriamente afetada e os Estados Unidos seriam culpados por isso. Observem que os preços do petróleo já passaram de US$ 70 o barril, graças em parte aos temores de um choque entre os EUA e o Irã.

4) No rastro do ataque, os EUA se tornariam um alvo ainda mais provável do terrorismo, além de reforçar as suspeitas globais de que o apoio americano a Israel é em si uma causa fundamental da ascensão do terror islâmico. Os EUA ficariam mais isolados e portanto mais vulneráveis, enquanto as perspectivas de uma eventual harmonização entre Israel e seus vizinhos se tornariam ainda mais remotas.

Em resumo, um ataque ao Irã seria um ato de insensatez política, desencadeando uma turbulência progressiva nos assuntos mundiais. Com os EUA como alvo de uma hostilidade crescente e disseminada, a era do predomínio americano poderia até mesmo chegar a um fim prematuro. Embora os EUA sejam claramente dominantes no mundo hoje, eles não têm poder nem inclinação doméstica para impor e então sustentar sua vontade face à resistência prolongada e custosa. Esta é sem dúvida a lição ensinada por suas experiências no Vietnã e no Iraque.

Mesmo que os EUA não estejam planejando um ataque iminente ao Irã, as persistentes indicações de porta-vozes oficiais de que "a opção militar está sobre a mesa" impedem o tipo de negociação que poderia tornar esta opção desnecessária. Tais ameaças tendem a unir os nacionalistas iranianos e os fundamentalistas xiitas, pois a maior parte da população do Irã tem orgulho de seu programa nuclear.

As ameaças militares também reforçam as crescentes suspeitas internacionais de que os EUA estejam encorajando deliberadamente a intransigência iraniana. Infelizmente, é preciso perguntar se essas suspeitas podem ser, em parte, justificadas. Se não, como explicar a atual posição de "negociação" dos EUA - a de recusar-se a participar do atual diálogo com o Irã e insistir em tratar apenas com procuradores? Aliás, isto é um claro contraste em relação às negociações dos EUA com a Coréia do Norte.

Os EUA já reservam fundos para a desestabilização do regime iraniano e, afirma-se, enviam tropas de elite ao Irã para inflamar minorias étnicas a fim de fragmentar o Estado (em nome da democratização!). E claramente existem pessoas no governo Bush que não querem nenhuma solução negociada, estimuladas por promotores da ação militar de fora da administração e instigadas por anúncios de página inteira exagerando a ameaça iraniana.

É irônica uma situação na qual a linguagem ultrajante do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad (cujos poderes são muito mais limitados do que seu título sugere), ajuda a justificar ameaças feitas por figuras do governo americano, que por sua vez ajudam Ahmadinejad a explorar ainda mais sua intransigência, ganhando mais apoio doméstico fervoroso para si e para o programa nuclear iraniano.

Portanto, está na hora de o governo americano acordar e pensar estrategicamente, tendo em mente, em primeiro plano, uma perspectiva histórica e o interesse nacional. É hora de esfriar a retórica. Os EUA não deveriam ser guiados por emoções ou pelo senso de uma missão de inspiração religiosa. Tampouco deveriam perder de vista o fato de que a dissuasão funcionou nas relações entre os EUA e a União Soviética, os EUA e a China e entre a Índia e o Paquistão.

Além disso, a noção promovida por alguns defensores da ação militar segundo a qual Teerã poderia algum dia entregar a bomba a um terrorista ignora convenientemente o fato de que essa atitude equivaleria ao suicídio do Irã, pois ele seria um dos principais suspeitos e a ciência da investigação nuclear tornaria difícil disfarçar o local de origem.

É verdade que uma eventual obtenção de armas nucleares pelo Irã aumentaria as tensões na região, talvez levando países como Arábia Saudita ou Egito a imitá-lo. Israel, apesar de seu grande arsenal nuclear, se sentiria menos seguro. Por isso é justificável evitar que o Irã obtenha armas nucleares. Contudo, ao perseguir esse objetivo, os EUA precisam ter em mente perspectivas de prazo mais longo para o desenvolvimento político e social do Irã.

O Irã possui os pré-requisitos objetivos em termos de educação, do lugar da mulher na sociedade e das aspirações sociais (especialmente dos jovens) para repetir, num futuro previsível, a evolução da Turquia. Os mulás são o passado, não o futuro do Irã. Não é de nosso interesse praticar atos que ajudem a reverter essa seqüência.

Negociações sérias requerem não só um envolvimento paciente, mas também um clima construtivo. Prazos artificiais, propostos na maioria das vezes por quem não quer que os EUA negociem de verdade, são contraproducentes. Insultos e ameaças de uso da força, assim como a recusa até mesmo de considerar as preocupações de segurança do outro lado, só podem ser táticas úteis se o objetivo for sabotar o processo de negociação.

Os EUA deveriam unir-se à Grã-Bretanha, à França e à Alemanha, e possivelmente à Rússia e à China (ambas com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU), em negociações diretas com o Irã, usando o modelo do diálogo multilateral com a Coréia do Norte. Como fazem com este país, os EUA também deveriam envolver-se ao mesmo tempo em negociações bilaterais com o Irã sobre questões de segurança e financeiras de interesse mútuo.

Segue-se que os EUA deveriam ser parte signatária de qualquer acordo na eventualidade de uma solução satisfatória para o programa nuclear iraniano e questões de segurança regionais. Em algum momento, o diálogo poderia levar a um acordo regional para uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio - especialmente depois da conclusão de um acordo de paz israelense-palestino.

Por enquanto, nossas alternativas são mergulhar numa aventura temerária, profundamente prejudicial para os interesses nacionais dos EUA no longo prazo, ou dar uma chance genuína às negociações com o Irã. Há vários anos, os mulás estavam em decadência, mas ganharam um novo sopro de vida graças ao confronto com os EUA. Nosso objetivo estratégico, a ser buscado por meio de negociações reais e não da pose, deveria ser o de separar o nacionalismo iraniano do fundamentalismo religioso.

Tratar o Irã com respeito e numa perspectiva histórica ajudaria a promover esse objetivo. A política americana não deveria ser guiada pelo atual e manipulado clima de urgência, que lembra, como um mau agouro, aquele que antecedeu a desastrada intervenção no Iraque.

TRADUÇÃO DE ALEXANDRE MOSCHELLA