Título: Câmbio ruim
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

Aumenta a irritação com a trajetória do câmbio. E, quando as coisas são tratadas mais com as vísceras do que com o cérebro, muita bobagem pode ser dita.

Quarta-feira, por exemplo, o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, defendia a adoção de um sistema múltiplo: o exportador teria direito a mais reais por dólar no câmbio interno do que os demais vendedores de moeda estrangeira. Rigotto está interessado na melhora das receitas dos produtores de soja e pouco se lixando com quem tivesse de pagar esse adicional e com as distorções que esse câmbio provocaria no resto da economia.

Há alguns meses, a excessiva valorização do real era debitada à omissão do Banco Central (BC), que - dizia-se então - se limitava a espiar a escorregada do dólar. Até o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, chegou a bater nesse bumbo. Hoje, não dá para sustentar essa idéia. De dezembro de 2004 até hoje, o BC já comprou coisa de US$ 45 bilhões no mercado interno de câmbio - dos quais quase US$ 15 bilhões apenas neste ano. E há ainda as compras do Tesouro. A atuação agressiva das autoridades não vem conseguindo inverter tendências, mas elimina a acusação de omissão.

Outro diagnóstico que freqüenta os debates é o de que a valorização do real se deve à disparada das cotações das commodities, que, por sua vez, tem a ver com a sofreguidão com que a China se atira às compras. Mas isso explica pouco. A exportação de artigos primários não passa de 26% do total e, nos últimos três anos, cresceu menos do que a de manufaturados. Além disso, um dos setores que mais vem perdendo com a valorização do real é o das exportações de commodities agrícolas. É descabido dizer que estejam derrubando o câmbio.

Não dá para menosprezar o terceiro fator de valorização do real: os juros altíssimos. Eles derrubam o dólar de várias maneiras: evitam saída de dólares; atraem capitais que tiram proveito da diferença entre juros externos e internos (arbitragem); estimulam operações no mercado de derivativos que tendem a acirrar a tendência que, hoje, é de baixa; antecipam a conversão de dólares em reais pelos exportadores e investidores internacionais; inibem a atividade econômica e contêm as importações, segmento da economia que contribuiria para aumentar a procura de dólares. Mas é bom não esperar demais da queda dos juros. De setembro até agora, eles já recuaram quatro pontos e, no entanto, o real não parou de valorizar-se.

Todos esses fatores têm alguma responsabilidade no câmbio. Mas nenhum deles é tão determinante quanto a questão fiscal. Os juros são elevadíssimos porque há enorme desequilíbrio orçamentário e a dívida está onde está. No dia em que for adotado um plano de ajuste fiscal digno de crédito (mesmo com três ou quatro anos para completar-se), os juros cairão rapidamente, a inflação será controlada, a atividade econômica será maior e sustentável, as importações crescerão e o câmbio se reequilibrará.

É por isso que o projeto do ex-ministro Delfim Netto, que prevê a adoção da meta de déficit nominal zero, apresenta a melhor proposta para conserto do câmbio. A maior vantagem da proposta é que seus efeitos seriam imediatos. Mas falta empenho dos exportadores na defesa dessa idéia.