Título: Técnicos criticam uso de álcool em usinas térmicas
Autor: Fabíola Salvador e Leonardo Goy
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

A falta de produto pode frustrar a tentativa do governo de trocar o gás natural por álcool nas usinas térmicas. A troca, que reduziria a dependência do País em relação ao gás boliviano, está sendo testada pela Petrobrás. "No curto prazo não dá para fazer muita coisa. Não temos álcool para atender à demanda adicional, ainda mais se houver necessidade de grandes volumes", afirmou fonte do Ministério da Agricultura, que se confessou surpreso com a possibilidade. "Antes de fazer a troca, é preciso saber se o uso do álcool é eficiente e se haverá oferta para as usinas, sem esquecer dos motores bicombustíveis ou movidos a álcool."

As termoelétricas movidas a gás natural desempenham um papel de reserva de segurança no sistema elétrico brasileiro, aumentando ou diminuindo a produção de acordo com o nível dos reservatórios das hidrelétricas. Quando os reservatórios ficam mais baixos, as termoelétricas geram mais energia. Em 2005, as hidrelétricas foram responsáveis por cerca de 85% da energia elétrica gerada no País; as térmicas a gás responderam por apenas 4%.

A troca de gás por álcool nas termoelétricas pode criar um novo problema para o governo. Ainda não há um marco regulatório claro para o setor sucroalcooleiro e, desde a mais recente crise de preços, em janeiro, não evoluíram as propostas avaliadas pelo governo para regularizar o mercado na entressafra de cana-de-açúcar. Desde o auge da crise, em março, quando o litro do álcool hidratado chegou a R$ 1,24 e o do anidro a R$ 1,21, a postura do governo tem sido a de esperar o recuo dos preços.

A antecipação da moagem amenizou o problema. Na semana passada, os preços fecharam a R$ 0,96 (anidro) e R$ 0,85 (hidratado), segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP). Isso esfriou também a urgência do governo em colocar em prática medidas para impedir que a crise se repita na entressafra.

O senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), ministro de Minas e Energia no governo passado, avalia que, sem medidas estruturantes, uma nova alta de preços é quase certa no ano que vem. "Nada indica que escaparemos de ter outra crise no álcool, principalmente se as condições forem as mesmas e se não houver um estoque regulador."

O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, afirma não fazer previsões para o ano que vem. Mas garantiu que, do ponto de vista das providências, "tudo que está ao alcance de uma gestão responsável está sendo feito".

"A partir do próximo ciclo (da cana-de-açúcar), tenho uma expectativa extremamente otimista de que vamos passar sem maiores percalços." Mas a liberação de recursos para a estocagem parece ter caído no esquecimento. Segundo fonte do Ministério da Agricultura, o assunto "perdeu a pressa", mas o ideal seria ter a linha para estocagem entre junho e julho.

Para o presidente da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Única), Eduardo Pereira de Carvalho, a experiência da Petrobrás, para ter sucesso, deve ser acompanhada de um estudo global e estratégico de longo prazo sobre a escolha e uso da matriz energética brasileira. "Não acho que soluções pontuais e apressadas possam resolver o problema. Já fizemos isso no passado e não deu certo."

Carvalho acha a troca interessante, mas ela deve ser avaliada. "É preciso saber que o setor enfrenta a expansão da frota de carros flex, o aumento da produção de anidro e o crescimento de demanda de álcool no mercado externo."

"Não acredito em espasmos. O que eles podem fazer é criar mais problemas para o futuro", concluiu Carvalho.