Título: Fundos estão ganhando muito com emergentes
Autor: Landon Thomas
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2006, Economia & Negócios, p. B5

Simon Nocera administra um fundo de hedge que investe em mercados emergentes e, portanto, orgulha-se de ter um ávido apetite pelo risco. Mesmo assim, ele teve de impor limites quando o seu corretor tentou fazer com que investisse em letras do Tesouro do Zâmbia.

"Foi especulação pura, sem base", disse Nocera, que vem investindo nos mercados em desenvolvimento há mais de 15 anos. "Se é para jogar em cassinos, preferiria ir para Las Vegas." Nocera não realizou a operação, mas vários de seus colegas ainda mais aventureiros o fizeram.

Impelidos por um surto de elevação nos preços do cobre, os títulos do governo do Zâmbia, denominados em kwachas, e rendendo 25% (o papel de 5 anos), deram um retorno de mais de 40% para aqueles que têm estômago para uma empreitada tão arriscada.

Nesses quatro anos de mercado em alta que se transformaram no período de mais longa duração na breve e turbulenta história de investimento em mercados emergentes, os investidores - desde fundos de hedge a fundos mútuos - têm demonstrado disposição para assumir níveis mais altos de risco nos mercados em desenvolvimento. As ações de referência nos maiores mercados, como Brasil, Rússia, Índia e China, têm experimentado elevações que desafiam a lei da gravidade, levando investidores ávidos por lucros a ter uma visão de longa distância. No momento, estão em voga bancos da ex-república soviética da Geórgia, companhias aéreas do Quênia, refinarias de petróleo da república russa central de Bashkortostão e corretoras da Índia.

Como a memória pode ser curta ...

Esta semana, uma rodada de minidesvalorizações na Turquia, África do Sul e Indonésia foi um lembrete de que os mercados emergentes, apesar da melhoria de suas economias e estabilização de suas moedas, continuam voláteis e imprevisíveis. Investidores experientes observam que, apesar da desvalorização da moeda mexicana em 1994, da crise monetária na Ásia de 1997 e da inadimplência da Rússia de suas dívidas em 1998 terem sido, em última análise, geradas por políticas deficientes em cada país, a natureza pandêmica dessas turbulências aprofundou-se com as vendas provocadas pelo pânico de investidores não sofisticados.

Agora, segundo analistas, esta combinação de fluxo recorde de capitais e indicativos de que os investidores mais uma vez estão comprando indiscriminadamente resulta em problemas.

Para James Trainer, um administrador da Newgate Capital, um importante fundo de hedge de mercados emergentes, o sinal de que a febre pelas ações de mercados emergentes está ficando muito alta ocorreu no início deste mês quando ouviu o cozinheiro do restaurante que freqüenta discutindo quais ações de petróleo da Venezuela deveria comprar. "Ele dizia: 'Basta esperar até que o petróleo chegue a US$ 100, então essas ações valerão o dobro'. Reagi pensando que agora realmente as coisas estão ficando desproporcionais".

Trainor, que administra mais de US$ 3 bilhões em ativos e é um sobrevivente da desintegração dos mercados ocorrida há dez anos, enxerga outros sinais de advertência: "Os bancos brasileiros estão operando com rendimentos quintuplicados. A divida da Rússia atingiu o patamar de investimento recomendado. O risco relacionado com investimentos internacionais foi deixado de lado por causa dos lucros".

Apesar da turbulência ocorrida esta semana, não há indicações ainda de que os mercados em desenvolvimento estejam a caminho de um colapso. As reservas em dólares estão em altas históricas e a saúde macroeconômica em geral desses países está muito melhor, ajudada pelos preços estratosféricos das commodities e pelas exportações robustas. Realmente, essas economias passaram por surpreendentes transformações.

Não apenas China e Coréia do Sul têm juntas reservas de mais de US$ 1 trilhão de dólares como também empresas como a Gazprom da Rússia e a Samsung da Coréia do Sul surgiram como influentes conglomerados globais, figurando entre as maiores empresas do mundo.

"O centro de gravidade se deslocou", disse Antoine van Agtmael, um investidor em economias em desenvolvimento, que cunhou o termo "mercados emergentes". "Esses países passaram de credores a em vez de devedores. Os déficits em conta corrente se converteram em superávits".

A corrida desesperada dos fundos para esses mercados assim como o impulso para para investimentos mais exóticos e mais arriscados sugerem que as lembranças das crises passadas dos mercados emergentes podem ter se desvanecido. Na semana passada, os fundos que investem nos mercados emergentes receberam uma das somas semanais mais altas de todos os tempos. Este ano, são US$ 33 bilhões, já ultrapassando o recorde de 2005, de US$ 20 bilhões, segundo a EmergingPortfolio.com.

Para os fundos de hedge, sempre à espreita da próxima tendência em investimentos "quentes", foi uma oportunidade imperdível - no ano passado foram formados 153 fundos para investir em emergentes.