Título: Microempresas ainda esperam
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Há alguns dias, em encontro com empresários em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou do Congresso maior celeridade na discussão e votação do projeto da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Trata-se, de fato, de um projeto de grande impacto sobre a atividade dessas empresas, pois simplificará sua atuação, reduzirá o peso dos impostos sobre suas atividades e, desse modo, estimulará a formalização de milhares de empreendimentos que hoje atuam à margem dos sistemas tributário e previdenciário, gerando mais empregos. É por isso que tem amplo apoio no meio empresarial e entre os congressistas.

No entanto a cobrança do presidente teve endereço errado. O Congresso, mal ou bem, funciona. A Câmara acaba de aprovar - nos termos defendidos pelo governo - a Medida Provisória 275, que estabelece novas alíquotas para o Simples, destinado a facilitar o recolhimento de tributos por parte de pequenas e microempresas. Se atraso ocorre na tramitação do projeto mais amplo, que é o da lei geral dessas empresas, ele se deve justamente ao governo, que ainda examina o impacto sobre a receita pública das medidas tributárias e previdenciárias nele contidas.

Enviado à Câmara no início de 2005, o projeto recebeu várias emendas, algumas incorporadas pelo relator Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), cujo relatório foi aprovado em dezembro pela comissão especial criada para examiná-lo. Em tese, está pronto para ser submetido à votação em plenário.

Mas é o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que condiciona tal votação a um novo entendimento. O deputado alega que o Ministério da Fazenda ainda tem restrições ao texto aprovado na comissão especial e pretende mudar alguns dispositivos antes de submetê-lo à apreciação da Câmara.

Como sempre ocorre em debates de projetos que implicam mudanças no regime de tributação, o que a Fazenda insiste em discutir é a eventual perda de receita que resultará das alterações. O relator Hauly estranha a resistência do governo ao texto aprovado, pois, segundo ele, as mudanças exigidas pela Receita Federal, sob a alegação de redução de perdas, foram aceitas para tornar viável a votação.

Não foram insignificantes as alterações. O texto original previa que seriam classificadas como pequenas empresas, com direito aos benefícios instituídos pelo projeto, empresas com faturamento anual que corresponderia hoje a R$ 4 milhões; no relatório, o limite foi reduzido para R$ 2,4 milhões.

Para o setor produtivo, a parte que também lhe interessava muito, a simplificação do regime tributário para essas empresas foi mantida. Os tributos hoje incidentes sobre sua atividade serão unificados numa única cesta. Entre esses tributos estão o ICMS, cobrado pelos Estados, o ISS, cobrado pelos municípios, e seis de natureza federal. As alíquotas desse tributo unificado variarão conforme o faturamento da empresa.

Nos cálculos da Receita, a redução da arrecadação em relação ao sistema atual seria de R$ 5 bilhões por ano. Mas este é, na verdade, um cálculo meramente teórico. Das empresas que se beneficiarão com a nova lei, muitas com certeza operam na informalidade. Não recolhem hoje nenhum centavo a título de imposto ou de contribuição para o sistema previdenciário. Se aceitarem as novas regras, como se espera que façam, passarão a recolher os tributos com regularidade.

Além disso, a redução de tributos e a simplificação estimularão a atividade das pequenas e microempresas, o que resultará em maior produção, mais empregos e, conseqüentemente, maior arrecadação, de modo que o impacto final sobre as receitas públicas pode ser bem menor do que o estimado pela Receita Federal.

Compreende-se que, por dever, o órgão arrecadador de tributos procure reduzir ao mínimo as eventuais quebras de receita, pois elas podem pressionar o déficit público, razão pela qual seus cálculos devem ser acurados. Tanto tempo depois de aprovado o projeto na comissão especial da Câmara, esses cálculos já deveriam estar prontos. Não devem mais servir de pretexto para atrasos. Que o governo e seus aliados negociem com outras forças na Câmara para, afinal, levar à votação um projeto tão aguardado.