Título: Dólar agrava crise e revolta produtores no Mato Grosso
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Economia & Negócios, p. B12

Ex-símbolo de competitividade, Estado hoje produz desemprego; dívida dos agricultores chega a R$ 6 bilhões

O coração do agronegócio está em crise. Mato Grosso, que já foi símbolo da competitividade das exportações brasileiras, deve reduzir sua produção de grãos e algodão em 30% a 40% neste ano, segundo estimativas de entidades do setor. O Estado é o maior produtor de soja, algodão e bovinos do Brasil, o segundo em arroz e grande celeiro de milho, milheto e sorgo.

No eixo Nova Mutum-Sinop da BR-163, berço de quase 10% da produção de grãos do País, a situação é melancólica. Os municípios que já foram exemplo de prosperidade estão com arrecadação em queda de 15%. Cidades que já tiveram pleno emprego, como Sinop, estão com 12% de desempregados. O shopping de Sorriso, cidade campeã de produção de soja do Brasil, está quase fechando as portas - apenas 20% das lojas estão ocupadas. "Sorriso nunca teve tanta placa de aluga-se", afirma um produtor.

No eixo que era um ímã de migrantes do Brasil inteiro, 70 mil pessoas foram demitidas nos últimos seis meses. Segundo o prefeito de Sinop, Nilson Leitão (PSDB), deve haver uma redução de 50% na área plantada da região. Em Nova Mutum, 80% dos produtores rurais sindicalizados estão inadimplentes. Revendas de tratores colocaram bandeiras pretas, em sinal de luto, nas fachadas.

O comércio também sofre. No Autoposto Geller, de Lucas do Rio Verde, o movimento caiu 40%. Com a crise, um terço dos cheques está vindo sem fundos, diz o gerente Luís Alberto Machado. "Estamos recebendo algumas dívidas em soja, mas outros estão indo para protesto", diz.

O dólar baixo, o acúmulo de dívidas e a ferrugem (fungo da soja) atingiram em cheio os agricultores do Estado. No ano passado, pela primeira vez desde 1999, Mato Grosso teve perda de empregos (gerou 27.768 empregos em 2004 e perdeu 5.776 em 2005). "O Mato Grosso crescia mais que a China", diz Homero Alves Pereira, presidente da Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado do Mato Grosso (Famato). "Mas em 2005, fomos o último Estado em geração de empregos - saímos do céu e fomos para o inferno."

"Mantendo o dólar baixo para controlar a inflação, o governo inviabilizou o setor", diz Marcos Aliperti Mammana, que produz 3 mil hectares de soja em Itiquira, perto de Rondonópolis. "A comida está muito barata, mas alguém está pagando por isso."

Pereira, da Famato, calcula que, só no Mato Grosso, os agricultores acumulem uma dívida de US$ 6 bilhões, sendo 60% disso com o setor privado - fornecedores de fertilizantes, adubos, e as tradings - e o resto em financiamentos de maquinário com o Banco do Brasil e outros.

"A moratória é compulsória, não temos como pagar", diz Pereira. "A Serasa é o caminho natural." Segundo ele, a probabilidade de os produtores não plantarem a próxima safra é grande, pois precisam tomar empréstimos para custear o plantio, mas estão inadimplentes.

Emerson Bonini, que tem um adesivo em seu trator com os dizeres "PT - Perca (sic) Total", está com uma dívida de R$ 371 mil. Sua colheitadeira está com duas parcelas atrasadas. Seu nome foi parar na Serasa. "Faz um ano que não tenho mais cheque e perdi dois cartões de crédito", diz Bonini. Ele planta 1100 hectares de soja em Nova Mutum. Já dispensou quatro de seus oito empregados.

MANIFESTAÇÕES

Por causa da crise, os agricultores começaram a realizar manifestações. Já são 12 dias de protestos. O movimento começou no dia 18 de abril no norte do Mato Grosso e foi batizado de Grito do Ipiranga, por causa da cidade onde se originou, Ipiranga do Norte. As manifestações estão se ampliando e já atingem 22 cidades, entre elas Sorriso, Sinop, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum, que estão entre as maiores produtoras de soja do País. Devem atingir nesta semana o sul do Estado (Rondonópolis). Nessas cidades, as prefeituras decretaram ponto facultativo e os produtores usaram colheitadeiras para bloquear estradas e impedir a abertura de bancos e armazéns de grãos.

O coro de reclamações reúne desde mega produtores, como Iraí Scheffer Maggi, o segundo maior plantador de soja do Brasil (e primo do governador Blairo Maggi), que planta 100 mil hectares, até produtores menores, como Julio Kanieski, que planta 110 hectares. Para os protestos à beira da estrada, muitos chegam a pé, de chinelos, mas tem também gente chegando de S-10 e Mitsubishi.

Os bloqueios das tradings ameaçam o cumprimento de contratos do País de exportação de soja. Os produtores estão barrando a saída de caminhões de soja de tradings como a Bunge, ADM e Cargill em todas as cidades do eixo Nova Mutum-Sinop.

Os agricultores reivindicam a renegociação das dívidas com juros mais baixos, redução da Cide, PIS e Cofins do óleo diesel, programa de combate à ferrugem asiática, alteração da política cambial, regulamentação do seguro agrícola e reforma da BR-163. Afirmam que a renegociação das dívidas de R$ 15 bilhões com bancos oficiais, anunciada pelo governo, não resolve, porque o juro é muito alto.